Mais uma vez o Ministério da Educação e seus órgãos auxiliares – agora é a vez do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – protagonizam uma polêmica que atinge diretamente quase 6 milhões de jovens estudantes e ao menos 25 milhões de brasileiros, se forem considerados pais e responsáveis. Ao manter as datas das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), só corrobora com o fato comentado inclusive internamente pelos próprios funcionários de carreira: a atual gestão é, sem sombra de dúvida, a pior de todas que existiram nos últimos 30 anos.
No momento em que o Brasil volta a superar a marca de 1 mil mortes diárias por coronavírus na média móvel, quando o país bate a marca de 200 mil óbitos e mais de 8 milhões de casos da doença desde o início da pandemia, o governo federal decide expor milhares de cidadãos em espaços fechados por pelo menos duas horas, sem qualquer controle eficiente para evitar a contaminação.
Pode parecer uma alegoria grosseira comparar a realização do Enem, e sua aglomeração nos locais de prova, com os comboios de judeus levados aos banhos de gás; mas não pode deixar de ser feita.
As provas foram adiadas quando não havia certeza do que viria pela frente; agora, leva-se quase 6 milhões de estudantes brasileiros, nos dias 17 e 24 de janeiro, dois domingos seguidos, para células de alto risco de contaminação, sob a alegação de que é preciso dar aos estudantes direito ao acesso ao ensino superior. Isso faz sentido?
Sem estratégia de ação e sem um plano de atendimento às políticas públicas vigentes, fará realmente diferença essa irresponsabilidade?
É antagônico saber que o Inep mantém as provas do Enem, mas não realiza, desde março de 2020, visitas às instituições de ensino superior privadas, permitindo que estas instituições ofereçam novos cursos com condições e estrutura adequada para esta nova realidade social, com menos presencialidade e condições de ensino remoto.
Temos apenas 240 mil vagas disponíveis para estudo gratuito em instituições federais; são apenas 125 mil vagas integrais e 130 mil vagas com 50% de desconto ofertadas em instituições privadas pelo Programa Universidade para Todos, o Prouni; e um número cada vez menor de vagas ofertado pelo Fundo de Financiamento Estudantil, o Fies.
Se houvesse real interesse em ofertar oportunidades de acesso ao ensino superior, neste momento de exceção e isolamento por uma crise epidêmica, o governo, por meio do MEC, teria outras formas mais seguras de atender os jovens brasileiros sem colocá-los em real risco de morte.
Como esperar bom senso de uma pasta em que o ministro confunde Sistema Unificado de Seleção para o Ensino Superior, o Sisu, com o Prouni? É pedir demais que se siga a racionalidade e a lógica da ciência no século 21 e se salve a vida de centenas de jovens?
César Silva é diretor-presidente da Fundação de Apoio à Tecnologia (FAT) e docente da Faculdade de Tecnologia de São Paulo (Fatec-SP), e foi vice-diretor-superintendente do Centro Paula Souza.