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Estados estão adotando medidas administrativas sancionatórias essenciais para o combate da Covid-19, mas há gravíssimos equívocos jurídicos e políticos que merecem reflexão. A obrigatoriedade do uso de máscaras implantada em vários estados e municípios, por exemplo, é medida sanitária que está dentro dos limites da discricionariedade vinculada que legitima o poder público. Porém, para que assim permaneça, não pode trazer consigo as consequências processuais penais que temos observado em alguns estados da Federação.
Um caso é a não utilização de máscaras por parte do cidadão, que poderá gerar multas administrativas e até mesmo eventual ação por infração ao delito previsto no artigo 268 do Código Penal, pois é crime “infringir determinação do poder público destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”. No entanto, a prática de tal delito não gera prisão em flagrante, condução coercitiva ou qualquer outro ato de força contra aquele que praticar tal conduta.
Assim, com base na famosa (e mal apelidada) Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei 9.099/95), eis que lá, no parágrafo único de seu artigo 69, encontramos vedação expressa à prisão em flagrante quando o “autor do fato (...) for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer”.
Estamos diante de um delito de menor potencial ofensivo (categoria na qual se encaixa o artigo 268 do Código Penal, haja vista sua pena máxima não ultrapassar um ano). Os fóruns estão fisicamente fechados. Dessa forma, é inviável conduzir qualquer pessoa do povo aos juizados, imediatamente. A única alternativa restante ao digno policial que for cumprir a ordem estatal é, no momento da abordagem, ter em mãos um termo de compromisso no qual o “delinquente” assume o compromisso de comparecer ao juizado, quando chamado. Após assinatura, a pessoa deve ser imediatamente liberada, na forma estrita da lei, para retornar à sua residência.
Qualquer restrição da liberdade de ir e vir, por prisão em flagrante em virtude do delito aqui debatido, não é força de lei, mas abuso de autoridade, conforme artigo 9.º da Lei 13.869/2019. Diz o dispositivo: “Decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais”. Tanto de quem a executa quanto de quem a ordena.
Diante do cenário, é interessante que policiais usem o termo, colham a assinatura, mas não prendam aquele que porventura desrespeitar a determinação editada nesse sentido.
Daniel Gerber é advogado criminalista com foco em gestão de crises e compliance político e empresarial.