Em boa parte de estados alemães foram criadas políticas progressistas de drogas, muito mais humanas e respeitosas
A Universidade de Hamburgo promoveu recente curso sobre Tendências Criminológicas Contemporâneas, tendo como coordenador o respeitado criminólogo alemão Sebastian Scheerer. O objetivo deste escrito é apresentar uma síntese da política de drogas daquela cidade-Estado norte alemã.
Até dez anos atrás, tal política era semelhante à brasileira: combate violento ao tráfico, exclusão assistencial aos dependentes e pouquíssimos resultados efetivos na diminuição do consumo. Perceberam, todavia, que enquanto houvesse alguém da classe média ou alta a querer usar droga, haveria quem, normalmente da classe baixa, estivesse disposto a correr o risco de morrer para fornecê-la, em decorrência dos elevados ganhos econômicos que o tráfico propicia. Igualmente, alcançaram que estavam excluindo da proteção do Estado os dependentes, que eram obrigados a viver no submundo, na exclusão e na marginalidade. Além disso, aumentavam os casos de aids e hepatites, doenças que se transmite ao compartilhar seringas. Havia, ainda, preocupação com a exposição da polícia à corrupção, visto que essa tem de trabalhar de modo secreto, infiltrada, gerando amizades e comprometimentos de difícil retorno. Ademais, as ações violentas de lado a lado importavam em inúmeras perdas humanas, sem qualquer resultado concreto e efetivo. Constataram, igualmente, que muitos jovens acorriam às drogas em decorrência da proibição, pois têm uma propensão natural, especialmente na adolescência, à contestação e à transgressão.
Diante desse complexo quadro, em boa parte de estados alemães foram criadas políticas progressistas de drogas, muito mais humanas e respeitosas da dignidade da pessoa, tal qual ocorreu, guardadas algumas diferenças, por outros países europeus, sem alarde ou propaganda, como os casos de Suíça, Holanda, Inglaterra e Portugal. Trata-se de uma mudança radical de enfrentamento. A despeito de não deixarem de criminalizar o tráfico, focam a ação no tratamento ao usuário. Assim, quando a polícia de Hamburgo encontra alguém com droga, há o encaminhamento desse cidadão a um espaço público, que depois de avaliação do caso, por equipe transdisciplinar, passa ele a dispor de um local para consumi-la livremente. Pode ele até receber do Estado drogas sintetizadas, como heroína e metadona, sem a exigência de qualquer contrapartida em relação ao seu vício. Caso o paciente queira deixar a dependência, também o Estado lhe presta todo o auxílio, inclusive com internação em clínica médica de desintoxicação, sem qualquer custo.
Trata-se de uma política que está enfrentando de modo mais racional a questão das drogas, sem o apego a falsos moralismos. Essa mudança, a despeito de encontrar resistência em setores mais conservadores, processa em Hamburgo uma grande revolução social, que vem promovendo paulatina diminuição do consumo e efetiva redução do tráfico de drogas, pois não há traficante que consiga competir com o fornecimento da droga pelo Estado; tirou dependentes da rua e os colocou em espaços públicos, com amplo monitoramento de saúde; reduziu os casos de intoxicação, problemas pulmonares e overdose, pois há efetiva atenção do Estado e a droga é pura, quando por esse fornecida; permitiu o retorno de dependentes ao trabalho, a despeito do uso que fazem, que fica estabilizado; vem reduzindo os casos de aids e hepatites, doenças mortais e que sempre estão próximas aos usuários, pois o Estado fornece gratuitamente seringas; vem fazendo com que os adolescentes tenham uma outra visão das drogas, não mais como algo glamouroso, pois as salas são espaços simples; diminuiu os crimes patrimoniais a níveis ínfimos, já que o dependente não mais precisa atacar o patrimônio alheio, nos momentos de crise de abstinência, para conseguir dinheiro; reduziu a violência policial em Hamburgo. Aliás, recente estatística anunciou que no ano de 2010, a polícia de toda a Alemanha desferiu 37 tiros contra alvos humanos, sendo apenas dez letais.
Sabe-se que a importação pura e simples de um padrão de política de um lugar para outro nem sempre propicia os resultados esperados. Todavia, a experiência de Hamburgo demonstra a necessidade de o modelo brasileiro ser repensado. É inadmissível persistir tanta violência, desatenção ao ser humano e falta de inteligência na atual política de drogas ilícitas do Brasil.
Luiz Fernando Tomasi Keppen, mestre em Direito pela UFPR, é juiz de Direito.
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