Há quanto tempo a Itália vive em um regime de plena e absoluta garantia dos direitos civis e democráticas? Desde o final da 2.ª Guerra Mundial, há 64 anos. Qual é a reputação da magistratura italiana? Atuando em um dos grandes berços do Direito, os juízes honram as origens e constituem uma elite de renome mundial. Um pequeno e bom exemplo é a Operação Mãos Limpas, em que membros da magistratura da Itália resolveram fazer a faxina cívica que o Executivo e Legislativo não conseguiram (se é que tentaram) fazer, acabando com as relações de afetuosa intimidade de políticos com o crime organizado e golpeando com mão-de-ferro a crônica complacência com a transgressão e com o arrangiarsi dos italianos, algo parecido com o brasileiríssimo "virar-se", "quebrar o galho".
Portanto, é absolutamente grotesco o argumento de que o Brasil deve conceder refúgio a um terrorista condenado por uma corte de justiça regular, em um país em que as garantias democráticas são plenamente respeitadas, porque o nosso ministro da Justiça alimenta "fundados receios de perseguição política" contra o condenado. Isso só passa pelas mentes e corações ideologicamente comprometidos, que procuram mistificar a opinião pública com argumentos supostamente humanitários. Melhor faria o nosso ministro, e a turma que comunga de suas ideias, se tratasse de aperfeiçoar os mecanismos da polícia e da justiça brasileiras, em vez de colocar em dúvida a isenção do aparelho judical italiano.
Essa questão que envolve o terrorista Cesare Battisti, no entanto, faz pensar sobre um tema mais amplo, que é o papel da política e da violência na defesa de posições ideológicas. Não vou entrar na discussão filosófica a respeito do papel da violência como "parteira da história", ou de sua inevitabilidade humana arguida por Thomas Hobbes, pois esse não é o foco deste artigo. O que interessa é definir com mínima clareza até onde a violência pode ser invocada como razão legítima para assassinatos, invasões e depredações de propriedades, esbulhos e outras violências.
As ideias de "polis" e de "política" estão indissociavelmente ligadas à disposição para o convívio e para o exercício da tolerância, à criação de um tecido humano coberto por "um manto protetor de benevolência" como disse um filósofo grego. A política é, por definição, a arte da conversa, do diálogo, do respeito a limites e de fronteiras. Só quando essa conversa, esse diálogo e essa disposição para o convívio não são possíveis porque o Estado oprime os indivíduos, proíbe-lhes a expressão livre de suas ideias, restringe pela força sua liberdade para divulgar pacificamente suas crenças, é que alguém poderia tentar de livrar desse jugo, rebelando-se contra ele. Assim mesmo, a história mostra que os que usam a violência para se livrar dessa servidão sentem uma enorme tentação para continuar a utilizá-la contra os adversários logo que possível.
No caso italiano, não existe registro de que essa opressão exista. Se Benito Mussolini erigiu, com seus fasci de combattimento a violência como instrumento político, ela não tem mais lugar naquele país desde a restauração da democracia há mais de sessenta anos. Se o Duce se orgulhava de suas milícias de rufiões e desordeiros pagos pelos fascistas para agredir e intimidar os adversários, humilhando-os com óleo de rícino para emporcalharem as calças, a Itália vive desde então em uma democracia plena, que pode servir de exemplo para muitos outros países, que até hoje não conseguiram garantir um mínimo respeito às opiniões discordantes.
Se o presidente Lula, a quem o Supremo Tribunal Federal devolveu a batata quente de decidir sobre uma questão que poderia e deveria ter decidido por conta própria, cair nessa esparrela de declarar que a Itália não tem condições de aplicar as suas leis de maneira isenta e civilizada, perderá condições de exigir o repatriamento de qualquer criminoso brasileiro e não é necessário mais do que uma fotografia das cadeias brasileiras para entender o porquê.
Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.