O presidente Jair Bolsonaro discursou na Assembleia Geral da ONU nesta terça-feira (24).| Foto: Alan Santos/PR

Política é disputa de convencimento e persuasão. Que decorre de posicionamento. Assim se move a opinião pública, a partir de uma narrativa. Nesse sentido, o presidente Bolsonaro acerta no conteúdo do que disse na ONU – e tem dito sempre – sobre socialismo, Foro de São Paulo, corrupção e tudo o que esquerdistas e muitos jornalistas não gostam de ouvir. Ele ganhou apenas uma eleição, mas não a guerra de comunicação – que é permanente. A repetição, que está nas bases da publicidade e da pedagogia, sempre foi instrumento usado pela esquerda. Ainda é. Os intelectuais orgânicos definem ideias-força e todos reproduzem. Dá resultado. A questão é que agora Bolsonaro também está fazendo isso. Já fez na eleição, e funcionou.

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Eis, portanto, que surgiu alguém para dizer que a ONU precisa voltar a promover a paz dos povos, e não pautas ideológicas. Surgiu alguém para contestar Raoni, idolatrado pela elite de apartamento. Surgiu alguém para falar dos interesses das ONGs nacionais e internacionais. E para despertar certo sentimento cívico. Ora, você pode não gostar de Bolsonaro, mas essas alavancas ampliam o espectro do debate político brasileiro. A polarização agora não é mais falsa; é de verdade. E isso é muito positivo. Eu diria mais: é algo novo no Brasil, depois de duas décadas de embate entre socialistas e sociais-democratas. Portanto, viva a democracia, viva a dialética, viva a liberdade!

Outro aspecto é a militância, cuja importância a esquerda compreende tão bem. A direita ainda não entendeu o que é isso. A esquerda assimila que a política é guerra de convencimento e persuasão. A direita quer ficar “de bem” com todo mundo, incluindo aqui centristas e centro-esquerdistas da socialdemocracia. Só que justamente a contemplação com o erro está no DNA da quebradeira do Brasil. Esses bons moços trataram o projeto de poder do PT como uma simples questão partidária e eleitoral. Compraram inclusive a linguagem do adversário. Na esquerda, reconstroem a narrativa solidariamente entre si – e violentamente, do ponto de vista retórico, contra o adversário. Não é só Bolsonaro que estimula tensão. O PT faz isso há décadas, sempre pretendendo monopolizar o bem e a aspiração popular.

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Aniquilar uma narrativa de direita consistente, como a que se formou há pouco no país, é o primeiro passo para o PT voltar ao poder

O fisiologismo e a oposição molenga são grandes responsáveis pela crise brasileira. Muitos adversários do PT ainda fazem genuflexão no altar do politicamente correto. E, por isso, viraram presas fáceis. Alguns liberais e conservadores querem que Bolsonaro pare com essa contenda e cuide apenas do governo. Imaginam-se detentores de certa supremacia – uns, pela vitória nas urnas; outros, por ter Paulo Guedes na Economia. Tem uma turma de vestais da tecnocracia que quer resumir a dinâmica da política ao viés empresarial. Ledo engano. Ou melhor: não sabem nada, inocentes! A disputa de argumentos é permanente, não termina nunca. A cosmovisão pauta as grandes decisões do setor público.

Talvez Bolsonaro pudesse ser menos verborrágico, mas isso só seria viável se tivesse um bloco consistente que pudesse e soubesse fazer esse embate retórico – e não há. O que há aos borbotões, no atual quadro de apoio ao governo, é um misto de tresloucados, covardes, oportunistas e bons moços. E não se ganha uma guerra de opinião pública contando apenas com esses perfis. Há uma plenitude de apoiadores de meia tigela, que surfam nas boas pautas do governo, mas são incapazes de navegar contra a maré. A esquerda sabe o sentido de grupo – tanto que não se desagrega. Já a direita facilmente se perde em suas vaidades, quizilas e interesses de menor monta.

Esta análise, nem tanto sobre ideologia, é muito mais sobre posicionamento. Então, claro que não existem apenas os extremos. Mas, mesmo para centristas, a política exige uma narrativa. É pela falta dela que quase todos os partidos, especialmente os de centro, perderam significação social. Ninguém os ouve, não têm mais potência de voz. Mesmo assim, a julgar pela tendência dos ciclos históricos, é razoável pensar que o pêndulo eleitoral vá mais para o centro nos próximos anos. Mas isso também exigirá posição: o que pensam sobre a vida, sobre a interferência do Estado na economia, sobre desarmamento, sobre legalização das drogas, sobre a Venezuela, sobre tudo... Centro não pode ser sinônimo de omissão e oportunismo. Quem compreender isso, conseguirá ser percebido no novo cenário da opinião pública brasileira – independentemente de seu pendor ideológico.

Posicionamento, narrativa, repetição e persuasão não são tudo na política – claro que não. Se não tiver governo, se não tiver resultado, se não tiver articulação adequada, as dificuldades permanecem. Não é por menos que a recente pesquisa do Ibope mostra que o governo perde popularidade. A crise é forte, a economia ainda não respondeu a contento e o governo se atrapalha bastante, mas o fato é que Bolsonaro mantém um diálogo ao pé do ouvido do eleitor brasileiro. Quase mais ninguém consegue fazer isso, nem mesmo a Globo. Talvez só Lula tenha sido capaz de tanta intimidade com seu público. Grande parte da população parece não estar gostando do que ouve, mas o posicionamento do presidente é claro, coerente consigo mesmo, faz sentido – e tem audiência. E ser escutado, num ambiente de tanta poluição sonora, já é um grande ativo. Aniquilar uma narrativa de direita consistente, como a que se formou há pouco no país, é o primeiro passo para o PT voltar ao poder. Tratemos dos exageros, mas naturalizemos a disputa.

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Cleber Benvegnú é jornalista e advogado, sócio-fundador da Critério – Resultado em Opinião Pública. Foi secretário de Estado de Comunicação e chefe da Casa Civil do RS.