O atual mandato do presidente Lula começou sob um manto de dúvidas relativas à condução da política econômica. Após anos de desequilíbrios macroeconômicos, refletidos em altas taxas de inflação, o Brasil vivia um período de inflação sobre controle, embora apresentasse baixas taxas de crescimento e alta vulnerabilidade das contas externas. A chegada ao poder de um partido que se apresentava como crítico à política econômica suscitou temores de que o Brasil poderia voltar à época de descontrole macroeconômico.
O primeiro desafio do novo governo foi mostrar à sociedade que cumpriria seu compromisso de campanha de priorizar a manutenção da estabilidade econômica. No lado fiscal, o Ministério da Fazenda aumentou a meta de superávit primário (diferença entre a arrecadação e o gasto do governo, descontados os pagamentos de juros), ou seja, haveria uma combinação de aumento da arrecadação e corte nos gastos de forma que o governo necessitasse de menos empréstimos para financiar sua dívida. Quanto à política monetária, decidiu-se por manter o regime de metas de inflação implementado no governo anterior. Foi garantida ao Banco Central a autonomia necessária para controlar a inflação, de forma que a política monetária não ficou atrelada às conveniências do governo, condição vital para o funcionamento do regime de metas.
O objetivo de manter a estabilidade foi alcançado com sucesso surpreendente. A inflação ficou sob controle. As contas externas foram ajustadas, retirando as pressões sobre a taxa de câmbio, a tendência à depreciação observada no final do governo anterior foi substituída por uma apreciação do real. O desempenho do Banco Central certamente é um dos pontos positivos do primeiro mandato do Presidente Lula.
O lado fiscal, entretanto, não repetiu o desempenho da política monetária. Apesar dos bons resultados do esforço fiscal dos primeiro anos de governo, este perdeu força na segunda metade do mandato e tornou-se praticamente inexistente no último ano. Pressões políticas e a proximidade das eleições acabaram sobrepondo-se às necessidades de controle do gasto público. O resultado imediato desse descontrole é que a taxa de juros não pôde cair com a velocidade desejada por alguns setores da sociedade. De fato, a questão consiste no maior desafio para o segundo mandato de Lula.
Enquanto o governo estiver pressionado a arrecadar para cobrir seus gastos da forma que acontece atualmente, não será viabilizada uma reforma tributária visando a simplificar e a aperfeiçoar o nosso sistema tributário brasileiro. A necessidade do governo em recorrer ao mercado financeiro para financiar parte significativa de seus gastos reduz a oferta de fundos emprestáveis, pressionando a taxa de juros para cima. A combinação de juros altos com um sistema tributário que penaliza o trabalho e a produção é um fator restritivo à criação de novos investimentos, o que compromete o crescimento a médio prazo da economia.
Poucos temas foram tão controversos quanto a capacidade da economia brasileira de iniciar uma trajetória de crescimento sustentável. Em vários momentos, a discussão entre monetaristas e desenvolvimentistas que ressurge de tempos em tempos, embora ninguém saiba explicar muito bem sua lógica levou a crer que as razões para o baixo crescimento da economia devem ser procuradas na política monetária, em particular nos juros altos e no câmbio valorizado. Nada mais longe da realidade.
O simples fato do fraco crescimento da produção brasileira vir de muito antes da adoção do regime de metas e mesmo da estabilização macroeconômica sugere que o primeiro não pode ser conseqüência do segundo. As causas para esse problema devem ser procuradas nos fatores que afetam a produtividade da economia. De fato, a incapacidade da economia brasileira de ob-ter ganhos sustentados de produtividade é o que melhor explica a dificuldade da produção apresentar um crescimento sustentado.
Sendo assim, uma agenda de retomada do crescimento faria bem se deixasse de lado questões monetárias e se concentrasse em questões da "economia real". Certamente analisar temas como educação e qualificação da mão-de-obra, desigualdade de renda, burocracia, existência de seguros, eficiência do Judiciário e custo do investimento consiste em esforço muito mais produtivo para encontrar saídas para nossa longa estagnação do que a velha polêmica entre monetaristas e desenvolvimentistas. Mas isto não é desafio para um governo ou um mandato, é o desafio de uma geração.
Roberto Ellery Jr. é professor adjunto do Departamento de Economia da UnB e coordenador da Pós-Graduação em Economia.
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