O período que antecedeu a crise de 2008/2009 ficou conhecido como "grande moderação" e os ciclos pareciam dominados pela política econômica, que proporcionava crescimento estável com baixa inflação. Mas a crise obrigou os macroeconomistas a reverem seus conceitos. A política monetária deve focar apenas a inflação ou também controlar a taxa de câmbio e evitar bolhas? O endividamento público é perigoso?
O tempo passou e as dúvidas continuam. Uma atualização da discussão pode ser encontrada em artigo de três economistas do FMI, entre eles Olivier Blanchard. Os autores mostram que ainda não há consenso, embora a experiência dos últimos anos permita alguma evolução. Aqui, nosso foco será austeridade fiscal e as consequências do endividamento público. O principal estudo recente favorável à austeridade, de Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, foi questionado por economistas da Universidade de Massachussets, que apontaram erros nos dados usados. Reinhart e Rogoff rebateram, mostrando que seus resultados continuam valendo. Mas a dúvida ficou.
A relação dívida pública/PIB disparou na Europa e nos EUA no pós-crise, fruto do aumento dos gastos públicos, da queda da arrecadação e do resgate ao setor privado. Defensores da austeridade argumentaram (baseados em Reinhart e Rogoff) que o alto endividamento prejudica a recuperação da economia. Mesmo em meio ao baixo crescimento, os governos devem apertar os cintos e equacionar as contas públicas. Outra corrente, liderada por Paul Krugman e pelo ex-secretário do Tesouro americano Larry Summers, sugere que não há evidências de que a dívida elevada atrapalha o crescimento. Com a posição de Reinhart e Rogoff na berlinda, essa vertente ganha força.
O artigo de Blanchard afirma que a dinâmica de financiamento da dívida pública leva a uma situação de equilíbrios múltiplos. Se os investidores tiverem confiança no país, haverá demanda por títulos, que permanecerão com juros baixos mesmo com a dívida alta. No entanto, caso os investidores desconfiem da solvência e demandem juros maiores, o serviço da dívida irá crescer e a atividade econômica será afetada.
A América Latina é um interessante estudo de caso. Na década de 90, muitos países da região estavam no equilíbrio ruim descrito acima. A desconfiança dos investidores gerava saída de recursos e desvalorização cambial, pressionando a inflação. O BC elevava os juros, aumentando a desconfiança sobre a solvência do país. Isso só era estancado com pacotes de resgate, em geral do FMI. O esforço de ajuste das contas foi fundamental para a recuperação da confiança e crescimento da região.A experiência latino-americana mostra que os países não estão fadados a um ou outro equilíbrio. A austeridade fiscal convincente pode ser positiva aos países da periferia europeia, levando-os ao equilíbrio bom. Da mesma forma, os EUA podem continuar desfrutando de sua posição de "porto seguro". Mas é importante um programa de ajuste fiscal de longo prazo para que isso não mude subitamente.
Ainda não há um veredicto final para o debate, mas vemos que o grau de austeridade depende da situação de contorno do país. A experiência histórica mostra que um país pode pular de um equilíbrio para o outro se mudar sua postura fiscal. A diferença entre o remédio e o veneno é a dose. E a maneira como é ministrado.
Caio Megale, mestre em Economia pela PUC-RJ, é economista do Itaú Unibanco.