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Ninguém no governo parece querer se lembrar do óbvio: o trânsito só melhorará quando se conseguir tirar milhões de carros e ônibus das ruas e isso se faz investindo maciçamente em transporte público de qualidade

Nos próximos meses, proprietários de veículos particulares serão obrigados a adotar novos equipamentos para transportar crianças: agora os equipamentos de segurança são diferenciados de acordo com a idade delas. Não vou discutir a necessidade dessas regras, pois imagino que elas tenham surgido da opinião de especialistas e, além disso, com a vida não se brinca. É melhor pecar por excesso do que por escassez, mas é bom lembrar que os equipamentos necessários para cumprir a resolução e não incorrer em multas e perda de pontos na carteira podem custar até R$ 900 por criança, segundo a imprensa.

Também nos próximos meses, mais de 500 mil empresas que têm dez ou mais empregados serão obrigadas a sucatear seus equipamentos de registro de ponto e comprar novos, eletrônicos, capazes de imprimir recibos para cada movimentação de entrada e saída de seus funcionários. Caso não o façam, estarão sujeitas a multas e outras penalidades. A explicação? Melhorar o controle das horas trabalhadas e dar ao empregado um documento comprobatório para fazer valer seus direitos. Um empregado que vá trabalhar 250 dias por ano, acumulará 500 papeluchos; ou mil se registrar suas movimentações quatro vezes por dia. Para as empresas, ficará a obrigação de comprar os equipamentos, abastecê-los de papel e tinta e mantê-los em condições de funcionamento. Será que não há outra maneira menos burocrática e infantilizante de assegurar o respeito às horas trabalhadas? Claro que há. Mas é muito mais fácil obrigar meio milhão de empresas a fazer um investimento relativamente grande para não produzir um parafuso a mais, só ampliar o controle. No entanto, estejamos certos: o setor industrial que produzirá as novas máquinas deve estar eufórico; os que fornecerão tinta e papéis especiais e os futuros encarregados da manutenção, também. Para eles, nenhuma política industrial poderia ser mais bem-vinda. Quem pagará a conta? Ora, que pergunta!

A todo momento, surgem coisas parecidas. Sempre é bom lembrar o tristemente famoso "kit de primeiros socorros", que obrigou mais de 20 milhões de proprietários de veículos a comprar um estojinho de primeiros-socorros com o piedoso argumento de que o Brasil é um país em que os acidentes de trânsito matam e ferem centenas de milhares de pessoas a cada ano. Certamente os defensores do kit acreditavam firmemente que os rolinhos de esparadrapo, pacotinhos de gaze e band-aids iriam ampliar significativamente as possibilidades de sobrevivência das vítimas de acidentes. Era tão ridículo que a exigência foi logo revogada e, para os milhões de proprietários de veículos que a levaram a sério, ficou aquele gosto amargo de que haviam sido tratados como palhaços duplamente, primeiro por ter de comprar os tais kits e depois por terem feito uma despesa inútil. Mas estejamos certos: alguns setores industriais devem ter salivado de prazer ao cair sobre eles aquele maná divino de vinte e tantos milhões de unidades em um simples ano.

Agora, a última. A partir de 2011, os veículos novos sairão das fábricas com chips de localização para adequar-se a um tal SINIAV - Sistema Nacional de Identificação Automática de Veículos. Qual a Justificativa? Rastrear a frota nacional de veículos para auxiliar a engenharia de tráfego a gerenciar o trânsito nas cidades. Como o Brasil produz cerca de 3,5 milhões de veículos por ano, esse será o tamanho da demanda inicial anual. Estados e municípios terão ainda de investir para criar e manter uma rede de equipamentos rastreadores, sem a qual os tais chips não teriam qualquer utilidade.

Ninguém no governo parece querer se lembrar do óbvio: o trânsito só melhorará quando se conseguir tirar milhões de carros e ônibus das ruas e isso se faz muito mais investindo maciçamente em transporte público de qualidade do que instalando chips localizadores. Então, por que fazê-lo? Ora, paciente leitor: como diz um velho ditado inglês, não me faça perguntas e não lhe direi mentiras...

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.

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