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Censura nas eleições de 2024.
Resoluções restritivas do TSE, bloqueio do X e decisões judiciais de censura à imprensa marcaram eleição de 2024.| Foto: Nelson Jr./TSE

Nos últimos debates entre os candidatos a prefeito de São Paulo, houve cenas de violência explícita, inéditas na história política do Brasil. É o tipo de coisa que afasta ainda mais as pessoas da política. Ninguém quer, depois de um dia de trabalho, cansado e já com seus problemas, viver momentos de tensão. Especialmente por um assunto ao qual a maioria já não dá valor. Vota-se porque é obrigado.

Mas as eleições se aproximam. Há quem diga que as eleições para prefeito e vereador são das mais importantes, pois tratam diretamente do nosso cotidiano. São esses políticos que irão decidir onde e como se permite construir prédios e casas, como será o transporte coletivo, quais ruas serão asfaltadas, que bairros terão prioridade nas obras de saneamento, no investimento em educação básica e saúde.

É na falta de entendimento das atividades da prefeitura e dos vereadores que começam os problemas. Por exemplo: segurança não é atribuição apenas da prefeitura, mas principalmente do estado, com as polícias militar e civil. Portanto, a ação da prefeitura é limitada. Não se pode prometer que vá acabar com a insegurança. Outra: ladrões de celular são soltos rapidamente por causa das penas previstas no Código Penal, que foi aprovado pelo Congresso Nacional. Não é atribuição do município. Assim, não adianta os candidatos dizerem que vão resolver esses tipos de problemas, porque não vão.

Agora, decidir o que será feito com o dinheiro que a prefeitura arrecada, por meio de impostos, taxas e repasses dos governos estadual e federal, essa sim, é uma das principais funções dos políticos municipais. Um exemplo muito importante é o da falta de vagas em creches. Em Curitiba, por exemplo, aão mais de 10 mil crianças sem creche. Com o orçamento que a cidade tem, como pode ser aceitável que tantas crianças fiquem fora da creche? E não estamos falando de qualidade da alfabetização ou do ensino, mas apenas de poder estar dentro de uma escola. Esse tipo de pergunta não é respondido pelos políticos, muito menos admitido; certamente, se forem perguntados, dirão que "estão licitando", "solicitando recursos" ou algo do tipo; nunca, "eu não consegui", "eu falhei". Políticos não erram, não falham, não são responsáveis. São vítimas que não conseguem governar por culpa do clima, da justiça, das leis ou de qualquer outra justificativa.

A política não pode servir para beneficiar uma minoria mesquinha e sem ética. Ela deve ser um meio de atender aos interesses gerais da população. Só isso

Qualquer proposta (ou promessa) que um vereador faça dependerá da lei existente, do orçamento disponível e do interesse político em se colocar em prática tal proposta, por parte das secretarias envolvidas e do prefeito. Se a proposta não tiver amparo legal, será necessário propor um projeto de lei e aprová-lo na câmara, para daí entrar no processo de convencimento acima descrito. Ou seja, o vereador, por si, não pode garantir nada, ele depende de uma série de fatores. Então, dizer que “a educação será prioridade”, “que apoiará investimentos em saneamento básico”, “que irá buscar reduzir as filas no posto de saúde” não significa rigorosamente nada, pois não tem nada de concreto.

O que esse candidato deveria fazer é ser claro sobre as suas propostas, como elas serão executadas e o que ele fará para encontrar as soluções, jamais dizer que vai resolver os problemas ou, de modo superficial, falar que vai apoiar, desenvolver, priorizar. E mesmo que o candidato faça ótimas propostas, seja honesto, se esforce, se ele não conseguir, ninguém fica sabendo, porque quem votou nem se lembrará em quem votou.

Há um descrédito total na política, seja de esquerda, centro ou direita. Está difícil ter confiança no que os políticos falam, porque, passado um tempo, descobrem-se mentiras, corrupção e tudo isso resulta em decepção. Além disso, o assunto política é chato e difícil de entender: o que são eleições proporcionais? Como pode um candidato “puxar" votos para outro? O que é coeficiente eleitoral? Na dúvida, deixa-se para lá. "Em quem você vai votar" deve ser uma das perguntas mais feitas quando chegamos perto de qualquer eleição. Ninguém se dá ao trabalho de pesquisar o candidato e entender quem ele é, o que e como ele vai fazer o que propõe.

Vamos um pouco além: foi aprovada uma reforma tributária no Congresso Nacional que vai mudar a forma de cobrar impostos. A promessa é de que os impostos não vão aumentar. E ela será implementada gradualmente, em 30 anos. Você sabe o que vai mudar? Se a resposta for não, saiba que, aumentando ou diminuindo os impostos, facilitando ou dificultando, privilegiando ou não alguns segmentos, quem vai pagar a conta é você! Ou seja, além de os políticos decidirem como vão gastar o nosso dinheiro, também vão decidir quanto e como ele será cobrado. E você não vai nem perceber, porque o imposto está embutido no preço dos produtos e serviços, e no fim só vai virar um comentário ranzinza: “como as coisas estão caras”!

Mas, voltemos à eleição municipal: uma cidade como Curitiba tem um orçamento de cerca de R$ 11 bilhões neste ano. Quanto desse total tem que ser direcionado para despesas obrigatórias (salários, pensões e benefícios, por exemplo) e quanto fica disponível para novos investimentos e projetos? Tem algum candidato que venha explicar isso? Em geral, não. E quando é perguntado de onde ele vai tirar dinheiro para implantar o projeto que propõe para melhorar a saúde e a educação, normalmente não há uma resposta clara, mas muita “enrolação”.

O que estamos assistindo, com tudo isso, é uma desistência de ser cidadão. E estamos falando daqueles que teriam como exercer a cidadania, com tempo e condições para tratar desses assuntos. Não estou falando das pessoas que precisam se preocupar em conseguir o almoço de amanhã ou a janta à noite. A população que poderia exercer a cidadania está desistindo – ou já desistiu. Com isso, toda a conquista que a sociedade conseguiu, como o direito a voto, eleições diretas, liberdade de expressão e direito a saúde, segurança e justiça, vai acabando. Sim, vai acabando, porque não são exercidos, atrofiam e morrem.

Mas, sem ilusão: cidadania dá trabalho! É preciso ter uma cultura política mínima para tratar de assuntos do bem comum, públicos, comunitários, sem pensar em privilégios individuais. Notem, não estou falando de ser a favor de tal ou qual político, de tal ou qual partido, muito menos de posição geográfica-partidária – direita, centro, esquerda –, mas de tratar dos assuntos coletivos, visando encontrar uma solução. Também é necessário entender os principais assuntos públicos (orçamento, projetos, votações), acompanhar a evolução e conclusão dos projetos e cobrar, coletivamente, os representantes. Não é fácil, mas é preciso repensar nossas atitudes políticas e mudar. Conversar sobre isso em casa, no trabalho, nas escolas, com os amigos. Para não depender da sorte ou da estratégia dos detentores do poder, que querem, no fundo, permanecer no poder.

A política não pode servir para beneficiar uma minoria mesquinha e sem ética. Ela deve ser um meio de atender aos interesses gerais da população. Só isso.

Celio José Cercal é economista.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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