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As políticas sociais estão contribuindo para o crescimento econômico e redução das desigualdades sociais? Essa, inegavelmente, é uma questão central no debate sobre essa temática, sobretudo nesse início de século, quando a média de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro tem oscilado entre 0,13% em 1998 e 2,28% em 2005, superando esses índices apenas em 2000 e 2004. E as políticas sociais, em especial a de previdência social, vêm sendo sistematicamente acusadas pelos representantes do FMI de retrair os investimentos e impedir o crescimento econômico.

É sempre bom lembrar que as políticas sociais, mais do que simplesmente garantirem acesso a bens e serviços, são mecanismos de realização de direitos de cidadania, e foram estratégias fundamentais de expansão do Estado social e do crescimento econômico no período conhecido como os "anos de ouro" do capitalismo, entre as décadas de 1940 e 1970, sob os auspícios da regulação econômico-social de matiz keynesiana-fordista. Mesmo o avanço avassalador do neoliberalismo nas décadas de 1970 e 1980 não foi capaz de desmantelar as políticas sociais nos países europeus, e a média de gastos com políticas sociais permanece em torno de 22% do PIB. Elas continuam sendo elementos fundamentais na estratégia de ampliação do consumo de bens básicos, aumento da demanda agregada e geração de emprego no setor público e privado.

No Brasil, a perspectiva de implantação de um amplo padrão de políticas sociais, previsto na Constituição de 1988, vem sendo fortemente tencionada pelas estratégias de extração de superlucros e supercapitalização, com a privatização explícita ou induzida de setores de utilidade pública, onde se incluem saúde, educação e previdência. A incorporação das clássicas medidas neoliberais estabelecidas nos acordos firmados pelo governo Brasileiro com o Fundo Monetário Internacional (FMI) em 1998, e reafirmadas pelo governo Lula, constitui uma combinação explosiva, que mina a possibilidade de expansão das políticas sociais e sua capacidade de redistribuir renda e reduzir desigualdades sociais.

Os sucessivos ajustes fiscais realizados nos últimos anos fazem com que o comportamento da alocação de recursos para as políticas sociais, e de modo específico para a seguridade social, assuma um caráter regressivo e restritivo, o que permite apenas o desenvolvimento de mecanismos compensatórios, que focalizam as políticas sociais nas camadas mais pobres da população, e que não alteram profundamente a estrutura das desigualdades sociais. A forte ampliação da carga tributária brasileira não tem se revertido em ampliação de políticas sociais universais e redistributivas. Ao contrário, nossa carga tributária é regressiva, porque os impostos e contribuições incidem sobre os trabalhadores, visto que são remetidos ao consumo. Assim, a tributação não promove redistribuição de renda e riqueza; ao contrário, contribui para sua concentração.

Apesar do aumento de arrecadação, a previdência social sofreu duas reformas (1998 e 2003) que reduziram direitos para os trabalhadores do setor público e privado, sob a alegação de um suposto déficit, quando o próprio TCU, ao analisar as contas do governo federal de 2005, reconheceu que não há déficit na previdência. O que há é uma realocação dos recursos do orçamento da seguridade social para pagamento dos juros da dívida pública e geração do superávit primário: a Desvinculação das Receitas da União (DRU) permitiu ao governo federal retirar R$ 45,2 bilhões do orçamento da seguridade social entre 2002 e 2004, que deveriam ser utilizados para as políticas de previdência, saúde e assistência social e poderiam ampliar os direitos relativos a essas políticas sociais.

Com parcos investimentos diante da dimensão da pobreza e das desigualdades sociais, cai a qualidade das políticas sociais e estas assumem caráter focalizado e seletivo, destinadas apenas à população em situação de pobreza absoluta, sob rigorosos critérios de acesso, como é o caso do programa Bolsa-Família. É inegável que esse programa, assim como o benefício de prestação continuada (BPC) assegurado na lei orgânica de assistência social (LOAS) e a aposentadoria dos trabalhadores rurais, têm um importante impacto na ampliação dos rendimentos dos beneficiários, mas é também inquestionável que seu caráter compensatório consegue apenas minorar os efeitos mais perversos da pobreza e das desigualdades sociais, e suas possibilidades preventivas e redistributivas tornam-se mais limitadas.

As perspectivas para as políticas sociais no segundo mandato do presidente Lula serão determinadas pela orientação da política macroeconômica: elas podem se constituir em elementos e estratégias importantes para alavancar o crescimento econômico e reduzir as desigualdades sociais, ou podem ser compreendidas como entraves ao crescimento econômico.

Se a segunda possibilidade prevalecer, a tendência será de restrição de direitos, nova reforma da previdência social sem incorporação dos trabalhadores que hoje estão no mercado informal, permanência da DRU, estagnação ou crescimento vegetativo do orçamento da seguridade social, manutenção do Bolsa-Família como estratégia de transferência de rendimento sem articulação com políticas de inserção em empregos estáveis, pífio crescimento econômico e queda na qualidade da saúde pública. O conteúdo das políticas sociais não será determinado, como muitos reiteram, por uma presumível onipotência do mercado, mas sim resultado de uma opção política do futuro governo.

Ivanete Boschetti é doutora em sociologia pela EHESS/Paris, coordenadora do Programa de Pós-graduação em Política Social da UnB e autora dos livros: Assistência Social no Brasil: um direito entre originalidade e conservadorismo (2003); Seguridade Social e Trabalho: paradoxos na construção das políticas de previdência e assistência social no Brasil (2006); Política Social: fundamentos e história (2006), em co-autoria com Elaine Rossetti Behring.

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