Fabio Campana escreveu um texto delicioso com suas exigências para o dia em que deixar este vale de lágrimas – dia que esperamos ainda estar muito distante. Ele estava horrorizado com a cafonice de uma cerimônia de cremação e exigia pompas fúnebres tradicionais (dispensando, quem sabe, os cavalos brancos com plumas negras e cocheiros de fraque a cartola).

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Pois eu estou em dúvida quanto ao que deve ser feito se um dia eu faltar... Outro dia fui ao velório de um querido amigo e fiquei horrorizado com o vozerio, a nonchalance com que a grande maioria dos presentes se comportava, conversando animadamente ao lado do catafalco, como se o morto fosse apenas uma peça de decoração em um ambiente público. Vez por outra tocava um celular, invariavelmente com aqueles tons de chamada de gosto duvidoso.

Tenho uma profunda admiração pelo despojamento dos funerais judaicos. O caixão feito de madeira barata, o morto enrolado em uma mortalha e a simplicidade da cerimônia são práticas de profundo e direto significado filosófico: rico ou pobre, não se leva nada deste mundo e, portanto, a pompa é inútil. Mas, ao mesmo tempo, não sendo judeu, quero poupar meus parentes dos comentários inevitáveis a respeito da avareza de minha família, que não teria me propiciado um enterro "digno".

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No outro extremo, me intriga a teatralização da morte típica da cultura norte-americana, em que o defunto é preparado para sua última aparição pública, maquiado, impecavelmente vestido e até fazendo poses em divãs e sofás, em vez de confortavelmente instalado no caixão – não estou exagerando: vejam os sites das grandes casas mortuárias dos Estados Unidos.

Evelyn Waugh, o notável romancista inglês, foi quem melhor retratou e ironizou a teatralização dos enterros nos Estados Unidos, em sua novela The Beloved One ("O ente querido"). O personagem principal tem de providenciar as exéquias de um tio, vai a um cemitério de alto luxo e lá tem de passar por uma entrevista com um psicólogo antes de qualquer outra coisa, para traçar um perfil do falecido, explicar seus gostos, idiossincrasias e preferências antes de escolher a vestimenta e a ambientação. Fanáticos por golfe, por exemplo, poderiam ser enterrados com seu taco preferido; bibliófilos poderiam levar um livro consigo. Na história, o personagem informa que o tio, como bom inglês, não se separava de seu guarda-chuva e, depois de confabular com seus colegas, o consultor-psicólogo retorna com a solução: o tio poderá levar seu guarda-chuva para a morada eterna – desde que fechado.

Talvez a solução esteja nos velórios drive-through, que já existem em muitas cidades americanas e que, com o aumento vertiginoso da frota brasileira de carros e a crescente dificuldade para se conseguir uma vaga de estacionamento, poderiam ser um sucesso entre nós. De novo, não estou exagerando: em Los Angeles há diversas casas mortuárias em que você entra em um corredor com seu automóvel, para em um determinado ponto, de onde vê o defunto por um janelão de vidro, coloca seu cartão de visitas em uma urna, engrena a primeira e parte, tendo prestado uma homenagem rápida, silenciosa e respeitosa ao amigo ou parente.

Há dificuldades a superar nesta solução e o problema ambiental é um deles – se o falecido for um desses zelotes da ecologia, certamente não gostará de ver a queima de combustíveis fósseis, o aumento do aquecimento global e o derretimento da calota polar associados ao seu passamento.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.

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