Ouça este conteúdo
Neste verão, quem passa pelos arredores da Baía de Guaratuba, no litoral do Paraná, vê uma mudança definitiva na paisagem: enormes blocos de concreto que emergiram recentemente na linha do mar. São os blocos que sustentam os pilares da obra da futura Ponte de Guaratuba, que terá 1244 metros de extensão, quatro faixas de rodagem, faixas de segurança e barreiras rígidas, calçadas com ciclovia e guarda-corpo nas extremidades. A obra será edificada entre os municípios de Matinhos e Guaratuba, hoje interligados por um serviço de balsas inaugurado em 1960.
A demanda pela obra para construir a ponte em Guaratuba não é recente. Em 1989, o artigo 36 das disposições transitórias da Constituição do Estado do Paraná já previa uma licitação para a construção da obra da ponte em Guaratuba, com pagamento por meio pedágio no prazo de até 15 anos. Em 2020, o governo do estado decidiu pelo custeio da obra por meio do tesouro estadual e a Assembleia Legislativa excluiu do texto constitucional a necessidade de usar tarifas de pedágio para pagar a obra. Isso deixou o caminho livre para o contrato atual.
Além da complexidade técnica, a obra da Ponte de Guaratuba se destaca por sua arquitetura jurídica. O objetivo central era reduzir o tempo de entrega da ponte
A ponte, que foi contratada pelo DER/PR por um investimento inicial de R$ 386,9 milhões, deve estar concluída em abril de 2026. A obra é complexa e tem várias partes. O tabuleiro da ponte, por exemplo, será estruturado de diferentes formas. Em alguns trechos, serão usados blocos pré-moldados. Em outros, cabos estaiados, que permitirão a navegação sob a ponte.
Além da complexidade técnica, a obra da Ponte de Guaratuba se destaca por sua arquitetura jurídica. O objetivo central era reduzir o tempo de entrega da ponte. Obras de arte especiais, como são chamadas as obras e serviços de engenharia mais complexos, como pontes e viadutos, geralmente só são licitadas após a aprovação do projeto básico e do projeto executivo, além da obtenção de todas as licenças necessárias. No Brasil, esse processo pode levar anos. A Ponte de Guaratuba foi uma exceção. Foi licitada pelo regime de contratação integrada. Isso quer dizer que o consórcio responsável pela obra também é responsável pelos projetos básico e executivo a partir de um anteprojeto elaborado pelo Estado.
A nova lei de licitações e contratos (14.133/2021), que é a lei aplicável à obra da ponte, ampliou a possibilidade de se transferir ao empreiteiro não apenas a execução, mas também a elaboração da própria concepção da obra a ser executada (design & build). Isso, junto com a obrigação de mostrar os requisitos de solidez, segurança e durabilidade, faz com que o contratado tenha incentivos para usar soluções eficientes e/ou inovadoras que deem bons resultados.
No Brasil, a contratação integrada foi criada pela Lei 14.462/2011, que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC). Inicialmente, o objetivo do RDC era acelerar a construção de obras para a Copa do Mundo de 2014, a infraestrutura das cidades que sediaram o mundial e os Jogos Olímpicos de 2016.
Após esses eventos, os projetistas passaram a usar a contratação integrada (RDCI), desde que justificada técnica e economicamente e comprovado que o objeto envolvia inovação, além da possibilidade de execução com diferentes metodologias ou tecnologias de domínio restrito no mercado. Ou seja, por se tratar de um regime de contratação complexo, a RDCI não cabe para a contratação de obras comuns, padronizadas, mas apenas para aquelas que possuem algum desafio técnico ou de execução, como a Ponte de Guaratuba.
Como esse modelo de contratação de obra ainda é novo, os governos, as empresas privadas e os órgãos de controle ainda estão aprendendo como melhor gerenciar esses contratos, especialmente no que diz respeito ao equacionamento dos riscos decorrentes da execução de grandes obras de engenharia.
No caso da obra da Ponte de Guaratuba, os encargos das partes estão previstos em uma matriz de riscos estipulada no contrato. Trata-se de cláusula que define os riscos e as responsabilidades entre as partes e garante o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato. Em caso da ocorrência de determinado evento previsto como risco na matriz, ele deverá ser equacionado pelo contratado ou pelo Estado, conforme previsão expressa do contrato, sem impactar na continuidade da obra.
Em caso de responsabilidade do estado por evento superveniente, pela necessidade de reequilíbrio econômico-financeiro por episódio considerado como caso fortuito ou decorrente de força maior ou mesmo pela necessidade de alteração do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica, desde que não decorrente de erros ou omissões por parte do contratado, o valor do contrato deverá ser atualizado, na forma do artigo 133, da Lei 14.133/21, com a celebração de um aditivo contratual.
Adotou-se o que há de mais atualizado em termos contratuais para dar conta da complexidade da obra. Ainda que eventos supervenientes venham a ocorrer e demandem o devido equacionamento, inclusive financeiro por parte do estado, a disciplina jurídica da obra detém todos os mecanismos para assegurar que ela seja concluída no prazo previsto.
Thiago Lima Breus, advogado especializado em contratação pública, mestre e doutor em Direito do Estado, professor adjunto da UFPR e sócio do Vernalha Pereira Advogados.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos