É assustador o pouco que sabemos de nós mesmos. Decorrência da nossa pouca idade como país e como cultura? Pura e simples ignorância e preguiça, falta de vontade de saber das coisas? Ou talvez inbecilismo neoliberal, em que o cálculo custo-benefício vem antes da avaliação cultural? Ou tudo junto?
No século 17, Quevedo já parecia estar se referindo a nós, ao escrever: "É coisa averiguada que não se sabe nada e que todos são ignorantes, e mesmo isso não se sabe por certo, pois, em se sabendo, já se saberia algo..." As pontes são obras-primas do engenho humano e, se o nosso engenho volta e meia se compraz em perpetrar sacanagens contra nós mesmos, entre as coisas que são sempre "do bem" estão as pontes.
Em tempos antigos, uma ponte era um investimento imenso de esforço e recursos o que não impediu os romanos de criarem obras primorosas de engenho e beleza, construções artificiais que, dentro da paisagem natural, criam molduras e contrastes, enriquecendo-a e valorizando as duas coisas. Não por acaso, as pontes italianas contemporâneas seguem essa tradição. Como regra, são belíssimas e harmoniosas com seu entorno. Caso clássico, a ponte projetada por Pier Luigi Nervi para Gênova. Mas, na Idade Média, surge um problema: o diabo, que gosta dos meios nem quente nem frio, nem macho nem fêmea resolveu se estabelecer no meio do vão principal das pontes, logo que essas eram terminadas. Daí a tradição mau-caráter una tantum de fazer um animal ser o primeiro ser vivo a atravessar uma nova ponte, oferecendo-o, portanto, ao tinhoso. Como garantia complementar, colocava-se ainda no meio do percurso, uma cruz.
Essa tradição chegou ao Brasil na bela ponte de Antonio Dias, em Ouro Preto, entre dois descansos, uma cruz de pedra protege os passantes. Temos uma boa tradição em pontes no Brasil, algumas mesmo consideradas dignas de se viajar para ver: a Hercílio Luz em Floripa, a Rio-Niterói, a recente JK em Brasília.
E o Paraná também não faz feio nesse cenário. Como ponte antiga, e compondo a bela paisagem dos Campos Gerais, a do Rio dos Papagaios. Não sei quem a projetou, mas poderia ter sido um engenheiro militar romano...
A ponte sobre o Rio Paraná que não é um riozinho qualquer , a chamada Ponte da Amizade, foi proeza tecnológica em seu tempo, atualmente enfeada pelas instalações contra contrabando.
A RFFSA construiu pontes e viadutos primorosos na Serra do Mar, que viabilizaram a proeza da subida e descida dos trens entre planalto e litoral. Também na Estrada da Graciosa construiu-se interessante ponte de ferro sobre o Rio São João espera-se que o seu restauro não seja mais um blefe, como foi a Casa Ipiranga. Na área urbana de Curitiba, a Ponte Preta merece atenção e manutenção, pelo modo como foi empregado o ferro, as placas não sendo apenas vedações. mas peças estruturais e pela sua presença na paisagem ferroviária da cidade.
Em várias cidades do Paraná ou no percurso entre elas as pontes de ferro da RFFSA são investimentos públicos que, ao menos em nome do que nelas foi gasto e pelos serviços que prestaram antes da obsolescência, devem ser cuidadas. Há várias importantes; vamos ficar, como exemplo, com a de Porto União da Vitória.
Em Ribeirão Claro, fronteira com São Paulo, também temos uma ponte pênsil que é exemplar notável de seu sistema estrutural.
E há ainda dois tipos de ponte muito interessantes que, se não desapareceram de todo, estão perto disso. As pontes com telhado, que havia na Estrada Dona Francisca, não sei se em território paranaense ou catarinense alguém sabe o que foi feito delas? As congêneres americanas deram um filme bobinho, mas muito bonito, As pontes de Madison. Aliás há, nos EUA, uma preocupação bastante intensa com a preservação de pontes antigas, quer sua funcionalidade viária seja mantida ou não o que importa é a manutenção de seus conteúdos originais. Já as nossas...
Também em regiões da Serra do Mar, houve várias pontes pênseis, obras simples, porém engenhosas, nas quais me parece que entrava mais a habilidade popular que a engenharia mesmo. Lembro-me de umas duas ou três na estrada para Joinville; e mais umas quantas na região de Prainha, em Morretes. E deve haver mais que não conheço ou não lembro no momento.
Enfim, precisamos estudar, documentar e preservar nossas pontes, urgentemente! Não ter patrimônio é uma coisa, pobreza pura e simples. Mas ter e ignorá-lo, é vergonhoso. Muito feio mesmo. Ponte é cultura!
Key Imaguire Junior é professor titular aposentado de Arquitetura Brasileira do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná