O motor está ligado, gasta combustível, ruge quando se pisa no acelerador, mas o veículo não se mexe, mesmo numa ladeira. Um freio é capaz de vencer a força da gravidade, a caixa de câmbio produz o milagre do movimento. Desde que engrenada.
Ao longo das oito horas que durou o depoimento do ministro Márcio Thomas Bastos perante a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal, ficou evidente o sentido físico e metafísico do ponto morto a desconexão entre as rodas e o motor. Engatados fazem da maquina, um bólido; desengatados produzem desgaste e desperdício.
A 6 meses das eleições presidenciais e 11 meses depois de iniciada a mais profunda crise institucional do Estado brasileiro, estamos envolvidos por um ruído ensurdecedor, fumaceira espessa e cheiro nauseante. O veículo, no entanto, não sai do lugar. Não é o freio que impede a ação da gravidade, mas o desencaixe das engrenagens que impede a transmissão da energia dos pistões para converter-se em deslocamento.
Apesar do intenso e prolongado bombardeio ao qual somaram-se duas peças acusatórias do tipo arrasa-quarteirão (o relatório final da CPI e a denúncia do procurador-geral), o presidente Lula está agarrado à dianteira. Ou à pasmaceira, no caso dá na mesma.
Num dia (quarta), Sua Excelência proclama que o país está perto da perfeição no sistema de saúde pública e dois dias depois (sexta), mostra a mão suja de petróleo para celebrar a auto-suficiência em combustíveis fósseis. Como se os cidadãos não mais morressem nos corredores dos hospitais ou o programa do álcool-combustível não estivesse em colapso.
Nada disso importa: as palavras perdem velozmente o seu valor e significado, saturadas por ambigüidades, desvios e, principalmente, mentiras. As coisas são ditas e desditas sem grandes conseqüências, num vale-tudo que se não criar um novo idioma produzirá algo pior e imprevisível: mutismo.
Não são os feitos ou carisma do presidente que o colocam entre os preferidos nas sondagens eleitorais, é o ambiente. Um mês depois de declarado candidato, o seu oponente ainda não foi ligado à tomada. Oferece sua quota diária de declarações e nada acontece. Uma coisa foi receber do engenheiro Mário Covas uma máquina impecável, perfeitamente azeitada, outra é desenhar a planta, ir à loja para comprar as peças e pô-la para funcionar.
A oposição imaginou que ser oposição seria suficiente. Na realidade, inspirou-se no antigo PT que conseguiu existir enquanto conseguiu contrapor-se. O sistemático desmonte deste governo não está sendo obra da oposição, nem das "elites" ou da mídia é obra da dialética. O acúmulo de forças numa direção produz o acúmulo de forças em direção contrária, isso sabe qualquer estudante da 6.ª série mas não foi percebido pelos professores-doutores que supervisionaram a tomada do poder pelo PT e agora assistem perplexos à sua queda.
Roberto Jefferson e Francenildo Costa não foram agentes políticos, são produtos da dialética. Anthony Garotinho não é um fenômeno populista, é fruto da abdicação generalizada das seções fluminenses dos partidos nacionais da esquerda aos conservadores que lhe entregaram o pedaço aparentemente deteriorado do bolo político, certos de que se contentaria com ele.
Inércia é isso: resistência generalizada à aceleração. A caixa de câmbio foi inventada justamente para permitir a transição da imobilidade absoluta para mobilidade. O ponto morto é um desligamento temporário. Vencido, aciona instantaneamente o processo de mudanças, ponto vivo, sinônimo de ação e reação. Perenizado é um perigo.