A Petrobras anunciou uma nova estratégia para definição de preços de combustíveis no Brasil. O ponto central é a substituição da paridade internacional como até então conhecíamos, por uma metodologia que considerará duas variáveis.
A primeira é o “custo alternativo do cliente”. Esse custo contempla as principais alternativas de suprimento de combustíveis, sejam fornecedores dos mesmos combustíveis (gasolina e diesel, por exemplo) ou de produtos substitutos – como os biocombustíveis. Então, de alguma maneira, essa variável observará indiretamente a paridade internacional, já que a alternativa principal tende a ser a importação, a preços de mercado. Simplificadamente, em tese, mantém-se preponderantemente a paridade internacional, o que poderia parecer bom. Contudo, apenas quando convier.
Enquanto no mundo todo as esquerdas buscam substituir os combustíveis fósseis por alternativas renováveis, no Brasil, a esquerda quer tornar a energia renovável relativamente mais cara.
Além disso, mesmo com posição dominante de mercado, é uma política que induz a adotar preços “competitivos” para otimizar os ativos em refino da Petrobras – hoje com ociosidade –, bem como aumentar ainda mais a sua participação de mercado. Na prática, preços artificialmente baixos para ganhar market share colocam em risco o ambiente concorrencial, bem como a evolução da produção e da importação por agentes privados.
A segunda variável, ainda mais problemática, é o “valor marginal para Petrobras”. Traduzindo, substituir o custo de oportunidade da paridade pelo custo de produção. Ocorre que o custo de produção de combustíveis derivados de petróleo pela Petrobras é extremamente baixo e pode comprometer a competição. Vale lembrar que a Petrobras anuncia o custo de extração de US$ 3,5 por barril no Pré-Sal. Ao agregar os custos de refino e logística, que estimamos ser inferiores a US$ 10 por barril, temos um custo de produção de diesel ou de gasolina da ordem de até US$ 15. Enquanto isso, o diesel a R$ 3,02 por litro na refinaria equivale a um custo de oportunidade de US$ 98 por barril. Portanto, é gigante a distância entre custo de produção e custo de oportunidade.
Em um primeiro momento, o impacto de preços artificialmente baixos pode parecer benéfico para a população. Quase como uma droga que causa saciedade ou sensação momentânea de felicidade. Para os acionistas de curto prazo, é um ótimo negócio também, pela certeza que será sócio de um agente dominante, com sede de aumentar participação no mercado caracterizado por demanda quase inelástica. Para um governo populista, é muito atrativo o potencial dessa medida em ano eleitoral, como uma estratégia de permanecer no poder.
No entanto, com efeitos perversos no médio e longo prazo. É o populismo energético de uma esquerda fóssil, sem avisar as consequências. A união dessas duas variáveis cria uma figura sui generis: o monopólio com competição. Medidas dessa natureza, anunciadas por parte do agente dominante, podem destruir o saudável ambiente de investimentos. No médio prazo, compromete a expansão da produção de combustíveis no Brasil e, portanto, torna o país mais inseguro do ponto de vista de suprimento energético. Isso porque, mesmo a Petrobras, ao reduzir sua lucratividade, compromete sua capacidade de investimento e seu potencial produtivo no médio e longo prazo, como ocorreu com a PDVSA, na Venezuela. É uma política que faz um contrato futuro com o risco de desabastecimento e, inevitavelmente, preços mais caros.
Não menos importante são as consequências macroeconômicas da medida. A mudança na política de preços da Petrobras afeta os resultados da empresa e, assim, os resultados fiscais da União. Menos dividendos pagos à União significam piora no resultado primário, o que implica no aumento do endividamento público e da inflação, exigindo a manutenção dos juros em patamar elevado por mais tempo, o que tem como consequência menos investimentos, menor crescimento da produtividade e menor geração de emprego e renda para os brasileiros. Um resultado que o grosso do eleitorado dificilmente associará à medida, e que constitui uma das razões para sua adoção por um governo populista, na mais pura acepção do termo, disposto a sacrificar o futuro de nossa economia em troca de algum ganho político no presente. Afinal, no futuro a culpa pela inflação sempre poderá ser atribuída aos empresários, e a culpa pelo desemprego, ao Banco Central independente.
O nosso etanol também está em risco. Vale lembrar que neste ano completam-se 20 anos do lançamento do primeiro veículo flex fuel no Brasil. Na ocasião, o atual presidente era o chefe do Executivo Federal e o vice-presidente era o governador do principal estado produtor de etanol. Foi onde o carro flex foi lançado – ambos comemoraram juntos a inovação mundial desenvolvida no país.
Entretanto, com a nova política de preços, dificilmente alcançaremos outros 20 anos. A tendência será o retorno dos veículos movidos apenas a gasolina. A artificialização é igualmente prejudicial à expansão dos carros elétricos, não há como a eletricidade competir com gasolina abaixo do valor de mercado. Infelizmente, nesse ritmo, os elétricos ficarão cada vez mais restritos à população de alta renda, é isso que o país está desenhando com a nova política.
Resumidamente, a nova política de preços tem 13 defeitos, com sequelas danosas no médio prazo: 1) artificialização de preços de combustíveis, a partir da precificação pelo custo de produção; 2) fim da paridade internacional e do custo de oportunidade; 3) aumento da concentração de mercado do agente dominante; 4) redução de investimentos privados na produção de combustíveis e de biocombustíveis; 5) redução da capacidade de investimento da Petrobras; 6) comprometimento da oferta nacional de combustíveis e ampliação da dependência externa; 7) redução do número de agentes importadores; 8) caixa da Petrobras será usado como amortecedor das oscilações da cotação internacional (petróleo e dólar); 9) custo alternativo ao cliente pode criar competição predatória em relação ao etanol hidratado; 10) indução ao maior consumo de combustíveis fósseis, com prejuízo à descarbonização da matriz energética; 11) o monopólio competitivo a serviço do governo; 12) redução do lucro da Petrobras, com consequente diminuição dos dividendos; 13) impacto no resultado fiscal da União.
Não deixa de ser curioso que, enquanto no mundo todo as esquerdas buscam substituir os combustíveis fósseis por alternativas renováveis, no Brasil, toda a esquerda encontra-se unida para tornar a energia renovável relativamente mais cara em comparação aos combustíveis fósseis, desincentivando o crescimento da frota de veículos flex e elétricos, assim como contribuindo para o aumento das emissões de gases de efeito estufa. Decorrido quase um quarto do século XXI, podemos mais do que nunca dizer que o Brasil ainda conta com uma esquerda fóssil.
Ricardo Borges Gomide é mestre em Engenharia e especialista em políticas públicas; Leonardo Coviello Regazzini é doutor em Economia e especialista em finanças públicas.
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