Além da Shein, um “jabuti” proposto pelo deputado Átila Lira (PP-PI) em um projeto sobre mobilidade alcança outras plataformas, como Shopee e AliExpress| Foto: Bigstock
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O recente debate acerca da isenção de taxação de compras de produtos importados de até US$ 50 é mais uma prova da inconsistência e da falta de visão do governo brasileiro em relação à política tributária. Enquanto o governo se vê diante de pressões de diferentes setores da economia, a Receita Federal, por sua vez, parece ter uma postura mais sensata, reconhecendo os riscos de acabar com esse benefício de forma abrupta.

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O relatório bimestral do Remessa Conforme, publicado pela Receita Federal, indica que é necessário avaliar os efeitos de qualquer mudança na política tributária para remessas internacionais, o que é uma atitude prudente. Afinal, não se trata apenas de uma questão de proteção da indústria nacional, mas também da manutenção de um ambiente de consumo saudável e acessível para os brasileiros.

Os consumidores continuam pagando o preço, literalmente, por uma política tributária míope e desigual.

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Ao propor o fim da isenção da taxação de compras feitas no exterior de até US$ 50, o governo está essencialmente penalizando os consumidores, especialmente os de menor poder aquisitivo, que são os principais beneficiados por essa medida. Além disso, essa proposta vai diretamente contra a tendência mundial de facilitar o comércio eletrônico e a globalização comercial.

Uma alternativa viável seria avaliar quais setores são estratégicos para o Brasil e tributar as importações desses produtos de maneira seletiva. Dessa forma, em setores nos quais o país possui indústrias consolidadas e competitivas, a tributação poderia ser aplicada para proteger e incentivar a produção nacional. Por outro lado, em setores nos quais o Brasil não possui uma indústria estabelecida, como certos produtos eletrônicos e itens de consumo, manter a isenção até o limite de US$ 50 seria uma medida sensata. Essa abordagem equilibrada garantiria o apoio aos setores estratégicos do Brasil, ao mesmo tempo em que beneficia os consumidores menos favorecidos.

A postura do deputado Átila Lira, ao propor o fim da isenção para importações de até US$ 50, é mais um exemplo de como a política tributária muitas vezes é influenciada por interesses corporativos em detrimento do bem-estar da população em geral. A taxação de 60% de Imposto de Importação (II), além do ICMS, tornaria esses produtos praticamente inacessíveis para a maioria dos brasileiros.

A resistência da Receita Federal em aceitar o fim total da isenção é louvável, mas ainda é necessário um posicionamento mais firme contra qualquer medida que prejudique os consumidores. Afinal, são eles que movimentam a economia do país e qualquer obstáculo imposto a eles só contribui para desacelerar o crescimento econômico.

O episódio do ano passado, em que o presidente Lula da Silva foi duramente criticado nas redes sociais por tentar acabar com a isenção de impostos em produtos de baixo valor, deveria servir de lição. A população está cada vez mais atenta e consciente de seus direitos e não hesitará em manifestar sua insatisfação caso medidas impopulares sejam adotadas.

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Infelizmente, o que vemos é um governo que age mais por populismo do que por uma visão estratégica de longo prazo. O foco excessivo em atender demandas corporativas e a falta de consideração pelos impactos sociais e econômicos de suas ações só reforçam essa percepção. Enquanto isso, os consumidores continuam pagando o preço, literalmente, por uma política tributária míope e desigual.

Murillo Torelli é professor de Contabilidade Financeira e Tributária no Centro de Ciências Sociais e Aplicadas (CCSA) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]