Curioso que Curitiba, sempre referência em termos de planejamento urbano e desenvolvimento, não foi capaz, até o presente momento, de incorporar adequadamente, com visão de futuro e ousadia, a bicicleta como opção de mobilidade. Igualmente curioso é observar como as recentes iniciativas, implantadas e anunciadas pela prefeitura, já provocam reações adversas de gente que não quer largar dos preconceitos e nem do volante.
Quando falamos da necessidade de implantar espaços seguros para a bicicleta e colocar o pedestre como referência no planejamento, fazemos uma declaração de amor à cidade. A bicicleta é um vetor de ocupação do espaço que trará as pessoas às ruas, facilitará às novas gerações a descoberta da história da cidade, da geografia, dos rios e da vida urbana como um todo.
Deixar o carro para as verdadeiras necessidades é crucial. Precisamos entender isso e garantir as prioridades já estabelecidas pela lei da mobilidade urbana: prioridade do não motorizado sobre o motorizado; do coletivo sobre o individual.
Em Curitiba, a rede inicial de ciclovias, idealizada nos anos 1970 pelo então prefeito Jaime Lerner, foi um primeiro passo que, infelizmente, não teve continuidade. O sistema trinário, formado pelas vias rápidas que correm paralelas às estruturais, envolve a Avenida Sete de Setembro com suas três pistas -- canaletas e vias lentas e as vias rápidas da Visconde de Guarapuava e Silva Jardim. O motorista, com pressa, que siga pela Visconde de Guarapuava ou pela Silva Jardim. Na via lenta, a calma é a tônica.
Inserir as bicicletas nas vias lentas é o caminho natural para criar uma rede de acesso à cidade, integrando aos poucos a bicicleta com o próprio transporte coletivo, com bicicletários nos terminais, com as futuras bicicletas compartilhadas e com as redes cicloviárias dos bairros. Não queremos apenas a Sete de Setembro como Via Calma, mas também a República Argentina, a João Gualberto, a Padre Anchieta e as demais estruturais. Precisamos urgentemente tornar a bicicleta uma opção segura para a população. Criar essas estruturas irá induzir o uso de um modal que favorece a autonomia, a saúde e a ocupação cidadã do espaço público; melhora o trânsito e o ar que respiramos; dessa forma, deve ser entendido como política transversal de mobilidade, saúde, segurança e meio ambiente.
Os urbanistas que defendem essas iniciativas vão desde a nova geração de pesquisadores que está pensando a cidade até aqueles que colocaram Curitiba no mítico panteão das cidades inovadoras. Jaime Lerner, Carlos Ceneviva e Manoel Coelho, para citar apenas alguns, são dessa outra geração, que não pedala, mas entende a importância da bicicleta para a vida das cidades. Todos defendem as vias lentas como espaços que devem ser compartilhados.
O mais importante disso tudo talvez seja a discussão que se coloca sobre a mortandade no trânsito. Ano passado, no Paraná, foram 2.618 mortos e mais de 55 mil feridos. Precisamos reafirmar a discussão sobre morte zero no trânsito e, para que isso não seja apenas uma utopia, precisamos de políticas públicas que acalmem o trânsito nas cidades. A Via Calma é exemplo de ação que fortalece essa discussão. Isso não é apenas sobre bicicletas, é sobre uma nova forma de nos relacionarmos com a cidade e com nossos corpos.
Jorge Brand é mestre em Filosofia pela UFPR e coordenador-geral da Associação de Ciclistas do Alto Iguaçu (CicloIguaçu).
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