| Foto: Agência Petrobras
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A renúncia do presidente da Petrobras, José Mauro Coelho, evidenciou a existência de um problema mais profundo na Petrobras: sua governança.

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Como a União conta com a maior parte das ações ordinárias, com direito a voto, ela mantém o poder de controle da empresa. Contudo, o que temos visto, com a alta dos combustíveis, é um cenário de lucros recordes da Petrobras – que beneficiam a própria União, como sua maior acionista. Mas também há uma enxurrada de críticas de autoridades públicas, incluindo do presidente da República e o presidente da Câmara dos Deputados, à política de preços da Petrobras.

Por mais que a União lucre, há fortes prejuízos políticos com o aumento do preço dos combustíveis, que corrói a renda das famílias, inclusive das que não possuem veículos, dado o aumento do frete, o que é uma preocupação muito forte do Executivo federal em ano de reeleição, bem como da base aliada do governo.

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A questão que confunde a maioria das pessoas é, se o governo federal tem a maioria das ações ordinárias, por que a Petrobras não faz o que o Planalto quer?

A razão está no dever fiduciário. Segundo a legislação brasileira – e a da quase totalidade dos países ocidentais, os membros do Conselho de Administração e da Diretoria de uma empresa devem se guiar pelos interesses dela, no caso, da própria Petrobras, e não de quem os tenha nomeado.

Assim, por mais que um administrador da Petrobras tenha sido nomeado pelo governo, ele deve buscar atender os interesses da companhia. Como já estabelecido desde o icônico caso Dodge versus Ford, em que os irmãos Dodge processaram Henry Ford por não distribuir dividendos aos acionistas para investir na produção (1919), a finalidade de uma empresa é lucrar.

Deste modo, entre os interesses da União de baratear os combustíveis e os da Petrobras de aumentar seus lucros, os diretores e conselheiros votarão sempre pela segunda opção, sob pena de serem responsabilizados pelos demais acionistas, podendo mesmo vir a responder judicialmente.

Uma consideração adicional no caso da Petrobras, é que ela é um monopólio prático, pela sua posição dominante de mercado, de modo que se a empresa não praticar os preços internacionais, uma vez que o petróleo é uma commodity, isso afugentará outros investidores do setor, o que manterá o monopólio. Rigorosamente, a falta de investimentos em refino faz com o que o Brasil precise importar petróleo do exterior, adicionando ao custo o frete e o seguro, o que faz com que os combustíveis sejam mais caros do que seriam ainda se mantivesse a paridade com o mercado internacional.

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Claro, o governo também poderia fazer uma intervenção verdadeira na Petrobras, rasgando a Lei das Sociedades Anônimas e das Estatais, o que exigiria encontrar pessoas dispostas a sofrerem processos multimilionários dos acionistas minoritários, inclusive no exterior, tornando a opção praticamente impossível e com o efeito imediato de afugentar os necessários investimentos no setor por outros participantes ou entrantes, além de aniquilar o valor de mercado da empresa.

A solução para o governo, portanto, passa por diminuir sua posição majoritária na Petrobras, reduzindo a pressão pública para a redução do preço dos combustíveis, bem como o impacto de declarações políticas no preço das ações da empresa, ou em criar um ambiente mais propício para investimentos acelerados em refino. Esse fato demandaria mudanças tributárias e regulamentares. Considerando-se que a segunda alternativa é algo nunca feito no país, o mais provável é que o governo optasse pela privatização da Petrobras, o que, de fato, vem sendo defendido.

Emanuel Pessoa é bacharel em Direito, mestre em Direito pela Harvard Law School e doutor em Direito Econômico pela Universidade de São Paulo.