Fachada do prédio principal da Universidade de Viena. Imagem ilustrativa.| Foto: Bwag/Wikimedia Commons
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“Nada é mais fértil em prodígios do que a arte de ser livre; mas não há nada mais árduo do que o aprendizado da liberdade. A liberdade, geralmente, é implantada com dificuldade, em meio a tormentas; é aperfeiçoada por meio de dissensões; e seus benefícios só podem ser conhecidos com o passar do tempo.” (Alexis de Tocqueville)

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Em 3 de julho, diversas manifestações contra o governo de Jair Bolsonaro reuniram pessoas em várias cidades brasileiras. No entanto, apesar de grande parte das aglomerações ter transcorrido de forma relativamente pacífica, o protesto em São Paulo acabou em um sério confronto entre manifestantes e as forças de segurança do estado. Durante o episódio, houve depredação de agências bancárias e invasão à Universidade Presbiteriana Mackenzie, que também foi alvo de atos de vandalismo e saques.

Que a situação política no Brasil é nebulosa ninguém pode discordar. Aliás, democracias saudáveis são ruidosas, pois o próprio processo democrático consiste na composição e acomodação de interesses diversos, vindos de setores que muitas vezes são antagonistas e disputam o mesmo espaço. Assim, ainda que não seja perfeita, dentro da atual configuração institucional, a democracia é um substituto razoável para a barbárie da luta de todos contra todos.

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No entanto, falar de democracia sem falar em liberdade não parece saudável. A prova de que democracia sem liberdade pode acabar em totalitarismo é o fato de que regimes autoritários como os da Coreia do Norte (oficialmente conhecida como República Democrática da Coreia), da China (oficialmente conhecida como República Popular da China) e da República Democrática do Congo trazem em seus nomes uma evidente referência ao processo de escolha popular e democrática, mas ao mesmo tempo figuram nas piores posições do Human Fredom Index, elaborado pelo Cato Institute.

Nesse sentido, faz-se necessário relembrar que a liberdade, tal qual conhecemos hoje, não faz parte do estado de natureza humana; ao contrário, é o produto do desenvolvimento da civilização. Como afirmou o prêmio Nobel de Economia Friedrich Hayek, as instituições livres, bem como tudo aquilo que é consequência direta da liberdade construída ao longo dos séculos, não foram o resultado de um design planejado ou da presciência dos benefícios que essas instituições trariam, mas fruto de um longo processo de tentativa e erro, por meio do qual foi possível acumular conhecimento e reconhecer as vantagens de se viver em uma sociedade livre.

Quando atos como os perpetrados pela turba no último sábado fazem sentir suas nefastas consequências em instituições inclusivas, como no caso de uma universidade, em última análise o que está sob ataque não é apenas o regime democrático, tão necessário à convivência dos diferentes, mas os próprios fundamentos da liberdade moderna.

O processo de aprendizado histórico que levou à consolidação da liberdade na sociedade não parou, e acontecimentos negativos podem servir para a construção de novos paradigmas sociais. À medida que os ânimos se acirram e as pessoas passam a adotar visões de mundo conflitantes e irreconciliáveis entre si, o ideal de democracia livre, unitária e plural parece estar cada dia mais longe da realidade da complexidade da sociedade humana.

Se por um lado o sistema de preços já provou a sua indiscutível superioridade em relação à economia planificada de matriz marxista, por outro a coexistência plural parece cada dia mais ameaçada quando o assunto é religião, política e cultura. A briga pela praça pública e pelos recursos para levar adiante agendas diametralmente opostas parece estar longe de uma solução pacífica.

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A situação parece nos obrigar a olhar para outras possibilidades, que possam promover uma separação vertical entre as diversas matrizes ideológicas e religiosas. O processo por meio do qual essa saudável delimitação de esferas poderá ser obtida ainda é nebuloso, mas resta a certeza de que será preciso ocorrer de forma natural para que seja legítimo.

A agitação política e a ameaça à liberdade e ao Estado de Direito não são novidade na história humana. Nessa mesma linha, vale lembrar que países como Holanda, Bélgica e Áustria já tiveram experimentos de separação de esferas de soberania e, nesse sentido, exemplos pretéritos podem auxiliar no processo de pacificação dos conflitos.

Tentando amenizar situações conflituosas no campo político e religioso, a Holanda de Abraham Kuyper organizou constitucionalmente pelo menos quatro pilares diferentes: o protestante, católico, socialista e liberal. A separação das esferas de atuação de cada segmento social, embora também tenha gerado problemas, foi uma fase importante para atenuação dos conflitos e legitimação dos movimentos sociais daquelas sociedades.

As possibilidades são muitas para acomodação pacífica dos interesses conflitantes dentro do mesmo tecido social; no entanto, a violência e a depredação continuam sendo inaceitáveis e maléficas em qualquer situação. É preciso colocar a barbárie de lado e pensar em saídas que não pretendam conciliar o inconciliável, tampouco destruir aquilo que é diferente. A separação das esferas talvez seja o preço a ser pago pela existência de uma sociedade humana, plural, democrática e livre.

Allan Augusto Gallo Antonio, formado em Direito e mestrando em Economia e Mercados, é analista do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica.

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