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Alguns cálculos e um olhar atento nos boletins estatísticos mais recentes da Previdência Social permitem descobrir um dado alarmante. As aposentadorias especiais foram concedidas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) por meio de ações na Justiça em nada menos que 94,1% dos casos de janeiro e fevereiro de 2024. Os números estão em sintonia com o que tem sido observado nos últimos anos. Contudo, não deveria ser tratado como algo normal o fato de apenas 118 dos 2.008 desses pedidos no primeiro bimestre terem sido concedidos sem que os segurados tivessem de pedir o auxílio da Justiça.
No universo de todos os pedidos de aposentadoria nesse período, um percentual de 25,6% dependeu da via judicial. Trata-se de uma parcela de 53.224 das 207.506 solicitações aceitas pelo INSS em janeiro e fevereiro. É evidente que quando pensamos na aposentadoria especial, um primeiro ponto é que não é fácil comprovar esse direito. É necessário conhecimento jurídico a respeito de particularidades com relação ao nível de exposição a agentes nocivos no trabalho. Somente a legislação em vigor no momento que um segurado estava em atividade, por exemplo, já pode alterar o nível de ruído ao qual ele poderia ser exposto sem ter a sua saúde prejudicada.
Sabemos hoje que o INSS enfrenta uma escassez de funcionários que apenas dificulta o trabalho dos servidores disponíveis atualmente
De um modo geral, aposentadorias especiais necessitam de uma análise cautelosa do histórico de trabalho do segurado. E é aí que chegamos à principal justificativa para o fenômeno que transparece nos números: o INSS e as falhas em atestar se os segurados têm direito ou não aos benefícios que pleiteiam.
Podemos pensar em um trabalhador que busca a aposentadoria por incapacidade permanente e que deverá comprovar que uma doença retirou de forma definitiva a sua capacidade para trabalhar. O direito também depende de não haver a possibilidade de que ele passe a exercer um trabalho alternativo que não seja afetado pela sua condição de saúde.
Um exemplo é um segurado que seja portador de uma doença em estágio avançado que afeta os seus ossos. A dor crônica impede que ele realize atividades braçais como fez ao longo da vida inteira. A gravidade da doença chegou ao ponto que afeta a capacidade para trabalhar mesmo em atividades que exijam um menor esforço braçal. Portanto, há o direito à aposentadoria por incapacidade permanente.
O grande ponto é que na maior parte dos casos um segurado deverá passar pelo exame de um médico clínico geral, nas perícias promovidas pelo INSS para atestar se há o direito ou não ao benefício. E um caso relacionado à Doença de Paget, que afeta os ossos, é de competência de um médico reumatologista, ortopedista ou outro especializado em doenças ósseas. Como é possível que não ocorram erros nos exames?
O que transparece nos números calculados a partir das estatísticas da Previdência Social pode ser percebido na realidade. Os advogados previdenciários que acompanham o dia a dia das negativas do INSS se deparam com casos absurdos como a recusa de benefícios para segurados que são portadores de doenças sem possibilidade de cura e que não contam com a possibilidade de retomarem a capacidade de trabalho algum dia.
Em contrapartida ao INSS, a Justiça faz o seu papel e costuma convocar como peritos judiciais médicos especializados nos casos clínicos que são alvo de injustiça nas perícias do órgão federal. O resultado consiste em entendimentos discordantes entre o perito judicial e o servidor do INSS.
Além disso, é notório que o órgão federal costuma se prender à documentação médica apresentada sem se aprofundar na história do segurado ou pedir exames complementares. Por outro lado, o Judiciário tende a levar em consideração fatores físicos, psicológicos e sociais. Contam aqui a idade, profissão, relações interpessoais, estudo e cultura. E é feita uma ampla análise sobre as suas chances de recolocação no mercado de trabalho e reabilitação para outra função.
Por fim, a responsabilidade por problemas nas perícias para as aposentadorias especiais está longe de recair sobre erros individuais. Sabemos hoje que o INSS enfrenta uma escassez de funcionários que apenas dificulta o trabalho dos servidores disponíveis atualmente. A solução para mudar esse cenário atual seria reforçar o quadro de recursos humanos da autarquia com mais servidores e com foco na especialização por áreas médicas. Afinal, o que está em jogo é o descanso de milhares de brasileiros que trabalharam a vida inteira e aguardam pelo seu sonho da aposentadoria.
Thiago de Pauli Pacheco é advogado com atuação na área do Direito Previdenciário e sócio do escritório De Pauli Pacheco Advocacia Previdenciária.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos