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Imagine o paciente leitor o absurdo desse exemplo: um cidadão mora em uma cidade de menos de 1,3 milhão de habitantes, onde existem 5 prefeitos, 5 vice-prefeitos e 74 vereadores. Pois é, um morador de Vitória, capital do Espírito Santo vive exatamente esta situação. O núcleo urbano contínuo de Vitória é formado por cinco cidades conurbadas, a própria capital, Vila Velha, Cariacica, Serra e Viana. Cada um desses municípios tem uma poderosa burocracia "comme il faut": para auxiliá-los em suas nobres e elevadas funções, os 5 prefeitos contam com um total de 89 secretarias municipais e órgãos de primeiro escalão. Só para fazer uma comparação: a cidade de Los Angeles, sem levar em consideração a área metropolitana, tem 4 milhões de habitantes, um prefeito e 15 vereadores, eleitos por voto distrital.

Depois de ver esses dados que se repetem no Brasil inteiro, não se pode estranhar a penúria crônica dos grandes municípios brasileiros. Não deve surpreender que nenhum deles tenha dinheiro sobrando para fazer qualquer coisa fora do trivial ligeiro, o que obriga prefeitos e deputados a periodicamente percorrer a via dolorosa até Brasília para pedir socorro ao governo federal de pires na mão.

É urgente que se reformule essa situação. Em primeiro lugar, não existe mas deveria existir em nosso país uma verdadeira legislação urbana adequada à variedade e à multiplicidade das cidades. Enquanto que nos Estados Unidos, de onde extraí o exemplo comparativo, as 85 cidades autônomas que constituem a Grande Los Angeles tem uma enorme flexibilidade de organização, aqui não temos nenhuma ou quase nenhuma. Uma cidade americana pode contratar outra para recolher o lixo, manter um hospital municipal ou um posto de saúde, operar o transporte coletivo, policiar as ruas. A cidade pode ter prefeito ou não, pode contratar um administrador profissional para cumprir a função do prefeito sem mandato definido (o city manager) ou entregar a função ao presidente da Câmara (Council).

Enquanto isso, no Brasil impera a absoluta rigidez: o cidadão vai de Curitiba para o Aeroporto Afonso Pena em São José dos Pinhais em um táxi que terá de retornar vazio pois, do aeroporto para a cidade de Curitiba, deverá tomar um táxi licenciado no município vizinho. Por definição aritmética, numa conta que até o Leonardo na ingenuidade dos seus 8 anos entende, um táxi que é obrigado a rodar metade do percurso sem um passageiro que pague a tarifa, tem de cobrá-la em dobro do que o utilizar na outra metade do percurso. Quando muito, a Constituição e algumas leis acenam para a chamada "cooperação intermunicipal" mas seus limites são claros e imprecisos. E assim continuamos a duplicar serviços e a gastar para manter paquidérmicas e adiposas burocracias.

Mas ilude-se o ingênuo leitor se acha que essa situação confrange os políticos. Ao contrário, são mais cargos a preencher, mais contratos a entregar, mais concessões e permissões a adjudicar. Os cinco prefeitos da Grande Vitória, seus cinco vice-prefeitos, 89 secretários, "otoridades" de primeiro escalão e 74 vereadores estão felizes da vida, cercados pelo carinho de assessores e de aspones e asmenes em profusão. Um aspone todo mundo sabe o que é ; um asmene, o assessor de me... leca nenhuma é uma categoria mais nova e se diferencia do aspone por não ter secretária nem carro oficial.

Só que essa situação está cada vez mais difícil de sustentar com a população crescendo, espalhando-se e ficando mais exigente em suas demandas sociais. Daí por que uma reforma da legislação urbana é inadiável e não deve ser confundida com essa reforma do Estatuto das Cidades que multiplica "ad-nauseam" o número de conselhos setoriais e tromba com a Constituição ao prever a existência de um Conselho Deliberativo nas cidades. O verdadeiro conselho que deve deliberar sobre uma cidade é a sua Câmara Municipal eleita pelo voto popular e não indicada pelos "movimentos sociais".

E aí entra a segunda reforma inadiável: a introdução do voto distrital no Brasil, começando pelas próximas eleições municipais. Uma eleição em que a cidade fosse distribuída em distritos, nos quais seria eleito apenas o candidato que obtivesse a maior votação em cada um deles daria à representação política dos vereadores uma legitimidade inédita e substituiria o atual sistema em que poucos, pouquíssimos,l chegam à Câmara com seus votos próprios, dizendo com clareza o que pretenderiam fazer por seus respectivos distritos e sendo impiedosamente alijados por eles quando os abandonarem ou trairem sua confiança. Para não dizer que as eleições ficariam tremendamente mais baratas e com isso poderiam dar um basta nesse conúbio vergonhoso entre fornecedores e prestadores de serviços ao poder público que é a ante-sala da corrupção política entre nós.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor universitário.

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