| Foto: Rovena Rosa/Agencia Brasil

Você está numa sala fechada com uma pessoa desconhecida (digamos que se chame Maria). De repente, chega uma terceira pessoa e oferece R$ 1 milhão para ser dividido entre vocês dois. A regra do jogo é a seguinte: você deve fazer uma proposta de divisão e Maria diz se aceita ou rejeita a oferta. Se Maria aceitar, a divisão é feita. Se Maria recusar, ambos vão para casa de mãos vazias.

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Oras, a teoria dos jogos diz que, independentemente da sua divisão, é racional Maria aceitar a oferta; afinal, pouco é melhor do que nada e, no fim das contas, ela estaria mais rica do que antes! A teoria diz também que você, sabendo disso antecipadamente, faria a menor oferta possível, pois tem ciência de que Maria aceitaria qualquer divisão. Essa seria uma oferta racional.

Se estivéssemos preocupados apenas com o resultado absoluto das coisas, é isso que esperaríamos. Você faz uma divisão, Maria recebe uma pequena parte e acaba aceitando. Em último caso, nenhuma oferta deveria ser rejeitada. Mas esse resultado assume que as pessoas estão apenas preocupadas com posições absolutas. Esse teste foi repetido diversas vezes ao redor do mundo. O teste é conhecido como “Teste da Torta”, pois, no lugar do valor em dinheiro, geralmente utilizava-se uma torta.

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O que se verifica na prática, porém, é algo diferente do que dissemos. Na maioria dos casos, quando uma oferta muito injusta é feita, a outra pessoa geralmente a rejeita. Mais precisamente, quando as ofertas foram menores do que 30%, metade das pessoas as rejeitava.

As pessoas, além de se preocupar com posições absolutas, também se preocupam com posições relativas, ou seja, com a desigualdade

Isso mostra um fato. As pessoas, além de se preocupar com posições absolutas, também se preocupam com posições relativas, ou seja, com a desigualdade. O teste da torta mostra que uma pessoa prefere não receber nada (para ver uma divisão mais justa) do que ver um colega levando quase que a torta inteira enquanto ela fica com uma pequena fração.

Independentemente de esse ser o melhor comportamento ou não, esse é um fato comprovado. A pergunta natural, portanto, que surge disso tudo é: por que rejeitamos uma sociedade desigual? Há algumas explicações para isso. Uma delas tem a ver com biologia evolutiva e não com economia.

Por um grande período da história humana, as pessoas viviam em pequenos grupos. Para aumentar as chances de sobrevivência era necessária uma certa propensão a contribuir com o grupo. Ao fim, um grupo bem-sucedido significa maior chances de sucesso de um indivíduo. Portanto, do ponto de vista evolucionário, um indivíduo mais fraco prejudica o bando todo. Por isso a preferência das pessoas em ajudar os mais fracos. É uma questão de sobrevivência, e não de altruísmo em si. Herdamos isso dos nossos antepassados.

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A nossa preferência por igualdade ao rejeitarmos ofertas injustas explica muito de nossas reações no dia a dia contra pessoas ricas.

Recentemente, vimos todos os candidatos à Presidência declararem seus patrimônios, como obriga a legislação eleitoral. João Amoêdo, um ex-executivo de banco, declarou R$ 425 milhões. Já o ex-chefe do Banco Central Henrique Meirelles diz ter R$ 377 milhões. A fortuna coloca os dois no grupo dos supersupersuper-ricos.

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Do outro lado, Guilherme Boulos diz ter apenas R$ 15,4 mil e Cabo Daciolo não declarou patrimônio algum. Sem entrar no mérito se as declarações são verdadeiras ou não, esse é o cenário perfeito para quem gosta de rótulos. O capitalista contra o trabalhador. Patrão versus proletário. O grande comendo o pequeno. É João Amoêdo e Meirelles ficando com 99% da torta e o restante dos brasileiros com 1%.

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Seguindo a mesma lógica dos nossos ancestrais que viviam em bandos, deveria ser assim: o patrimônio dos candidatos pode nos fazer torcer para Boulos e Daciolo e excluir Meirelles e Amoêdo das nossas possiblidades. O próprio PSol fez um material de campanha sugerindo que apenas Boulos seria o presidente certo para os pobres.

Ao aplicar a lógica evolucionária e detestar candidatos ricos, cometemos muitos enganos. Ainda que sem saber, cometemos.

O primeiro ponto é: quem é mais corrompível? O que fez a sua vida na iniciativa privada e, não precisando de dinheiro, resolveu entrar para a política? Ou aqueles que dependem dela para viver?

Mas mais do que isso. Que mensagem a passamos para as pessoas e nossos filhos se condenamos aqueles que tiveram sucesso na sociedade de maneira honesta? Execrar um candidato rico significa praticar a cultura do fracasso. Perpetuamos a ideia de que ter sucesso é feio, imoral e pessoas vencedoras são um mal para a sociedade.

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Esquecemos, porém, que aqueles que acumularam um patrimônio – principalmente na incitativa privada – o fizeram por gerar valor para a sociedade. E, diferentemente dos esportes, a iniciativa privada não é um jogo de soma zero em que, se alguém ganhou, é porque alguém perdeu. Pelo contrário, é um win-win game. Não há empresário que tenha ficado rico (honestamente) sem ter feito a vida daqueles que vivem ao seu redor também melhores. Uma sociedade com muitos Amoêdos e Meirelles é melhor do que uma com poucos como eles.

Há no instinto humano uma tendência a punir aqueles que não contribuem com o grupo ou com a sociedade. O teste da torta mostra isso. Mais do que simples altruísmo, o motivo pelo qual há uma tendência em “punir” aqueles que não contribuem com o grupo é uma questão de sobrevivência.

Não acredito, porém, que o patrimônio deva ser critério algum de voto. Mas, se for, votemos naqueles mais ricos. Pelo menos eles já provaram que conseguiram agregar valor para a sociedade e sabem gerir bem um patrimônio. As chances de destruir o país são bem menores.

Leonardo de Siqueira Lima é mestre em Economia pela Barcelona Graduate School of Economics e associado do Instituto de Formação de Líderes (IFL-SP).