Vários são os motivos da necessidade e urgência de vacinarmos crianças e adolescentes contra a Covid-19. Depois dos acidentes, a Covid-19 é a principal causa de mortes em crianças e adolescentes no Brasil. O Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes de crianças em decorrência da doença; somente perdemos para o Peru.
Hoje temos duas vacinas seguras e eficazes, aprovadas pela Anvisa, para serem aplicadas em crianças e adolescentes. Neste momento, a população mais vulnerável é a de não vacinados – e as crianças são o principal grupo de não vacinados no mundo. Nunca as crianças foram tão ameaçadas pela Covid-19 como agora, com a variante ômicron. As crianças estão pegando e transmitindo da mesma forma que adultos. Nunca houve tantos casos e internações entre crianças.
Apesar de a variante ômicron ser menos agressiva, ela é mais transmissível, e isto faz dela mais grave em termos de saúde pública, pois, com maior número de casos, teremos como consequência maior número de internações e complicações, com risco de termos mais mortes. Vejamos alguns números: nos Estados Unidos, até agosto de 2021, havia em torno de 50 mil novos casos de Covid-19 em crianças ao mês, com uma taxa de internação de 1,5% a 2%. Isto daria uma média de 1 mil internações ao mês. Em dezembro houve aproximadamente 1,8 milhão de casos. Mesmo diminuindo pela metade a necessidade de internações (1%), ainda teríamos 18 mil internações, ou 18 vezes mais que com a variante delta.
Nunca as crianças foram tão ameaçadas pela Covid-19 como agora, com a variante ômicron. As crianças estão pegando e transmitindo da mesma forma que adultos
Quase a totalidade dos casos de internação e morte é de crianças e adolescentes não vacinados. Muitos por ainda não serem elegíveis para a vacinação, e muitos outros cujos pais não os vacinaram. A vacinação pode não evitar a Covid-19, mas tem evitado formas graves, internações e mortes em todas as idades.
A principal, ainda rara e grave complicação da Covid-19 em crianças é a Síndrome Inflamatória Multissistêmica. Esta complicação acontece de duas a seis semanas após a infecção, que na maioria dos casos foi leve ou assintomática. É a principal causa de internações em UTIs: 50% dos casos têm lesões do coração, 20% necessitam de ventilação mecânica e a mortalidade é de 6,2%. No Brasil, temos 1.503 casos – um caso a cada 1,6 mil crianças com Covid-19 –, com 93 mortes (6%), que poderiam ter sido evitadas com a vacinação. Com a explosão de casos devido à variante ômicron, meu medo é que possamos ter também um aumento exponencial desta grave complicação e todas suas consequências. As taxas de letalidade e mortalidade da Covid-19 e da Síndrome Inflamatória Multissistêmica no Brasil são dez vezes maiores que nos EUA, que tem quatro vezes mais casos de Covid-19 em crianças que no Brasil, mas com três vezes menos mortes. Se a relação custo-benefício das vacinas é extremamente favorável aos benefícios nos EUA, no Brasil, então, estes benefícios são no mínimo dez vezes maiores.
Os riscos e gravidade da miocardite (inflamação do coração) com a doença são muito maiores do que por evento adverso das vacinas. Enquanto o risco de uma criança internada (forma grave) com Covid-19 ter miocardite é de 15%, com mortalidade de 6%, a chance de miocardites pós-vacina da Pfizer em crianças de 5 a 11 anos é de 0,0001%, sendo estes raros casos benignos, transitórios e sem relatos de mortes.
Entre 5% a 10% das crianças com Covid-19 têm risco de apresentar o que se chama de “Covid longo”: a permanência de sintomas por mais de três meses e com risco de consequências por tempo indeterminado. Podem apresentar sintomas respiratórios, cardíacos, neurológicos e comportamentais como alteração de memória, concentração e raciocínio. Se temos no Brasil em torno de 3 milhões de crianças que tiveram ou estão com Covid-19, são no mínimo 300 mil crianças com esta temida complicação e com o problema de como o SUS vai absorver e tratar com qualidade todo este contingente de crianças com estes problemas crônicos.
A vacinação de crianças vai tornar o necessário retorno escolar mais seguro do que já é, quando escolas executam protocolos de segurança. Com menos casos nas escolas, menos quarentenas e isolamentos serão necessários, amenizando a já enorme perda que principalmente crianças de escolas públicas tiveram.A vacinação também vai tornar o ambiente familiar mais seguro, visto que muitos lares são compostos por adultos com comorbidades e/ou idosos, a chamada “coabitação multigeracional”. Hoje a chance de uma criança ser o primeiro caso da casa e transmitir Covid a outras pessoas é a mesma dos adultos.
A segurança, eficácia e necessidade de vacinarmos o mais rápido possível o maior número de crianças é inquestionável. As vacinas aprovadas pela Anvisa são seguras e eficazes. Não são vacinas experimentais e sim novas, com mais de duas décadas de estudos.
Os riscos e gravidade da miocardite (inflamação do coração) com a Covid são muito maiores do que por evento adverso das vacinas
A maior irresponsabilidade que ouvi nesta pandemia é de que as vacinas causam mais mal e riscos do que a doença, propondo que as crianças se imunizem pegando a doença. Se imunidade coletiva (rebanho) já é uma falácia em adultos, em crianças isto é um crime. Não existe a possibilidade de a proteína spike ficar circulante pelo resto da vida no corpo de quem se vacinou, como não existe a mínima plausibilidade de causar futuras complicações como câncer, doenças inflamatórias ou esterilidade. Ou esses profissionais da saúde que falam e divulgam essas falsas notícias não sustentáveis pela boa ciência não sabem diferenciar a boa da má ciência, ou o fazem por algum outro motivo que desconheço. De qualquer forma, estão cometendo uma conduta perigosa e imprudente, pois estão induzindo muitos pais a não protegerem seus filhos da maior ameaça às suas vidas atualmente, que é a Covid-19.
Se você quer proteger o coração de seu filho, fazer um seguro de vida e garantir a qualidade de vida de seu filho, vacine-o. Vacinas salvam, e a Covid-19 pode machucar e matar.
Rubens Cat é professor do Departamento de Pediatria do Hospital de Clínicas da UFPR.