Em 1973, Ruth Norman comprou uma propriedade de 245 mil metros quadrados na Califórnia com um intuito curioso: servir de base para o pouso de 33 naves espaciais, que se encaixariam uma em cima da outra. De acordo com as mensagens que ela canalizava de extraterrestres, cada nave seria tripulada por mil cientistas, trazendo a mais avançada tecnologia de cada planeta para ajudar a humanidade. Norman profetizou que o ano do pouso seria 1974.
Se você não tem conhecimento de um prédio de 33 andares formado por discos voadores, é porque o pouso nunca ocorreu. No entanto, o culto que tinha Norman como líder – chamado de Unarius – não se desfez após a profecia não realizada e continua ativo até hoje, com unidades nos EUA, Canadá, Nova Zelândia, Nigéria e Inglaterra.
Os críticos deveriam ser os maiores experts em comportamento bolsonarista, já que apoiaram um candidato que foi preso por corrupção e continuam fabricando as mais tolas justificativas para idolatrá-lo.
O que leva uma pessoa a continuar com uma crença após uma profecia não realizada? Muitos tendem a diagnosticar os membros do Unarius como lunáticos, tolos ou com distúrbios psicológicos, mas na verdade, os únicos que não mantém crenças inocentes como esta são conhecidos como falecidos.
Do ponto de vista da ciência, isso é chamado de dissonância cognitiva. A decisão mais racional para um membro do Unarius seria levar em conta as evidências e largar a crença, mas o ser humano não funciona dessa maneira. Quando visitei o lendário cientista Elliot Aronson da Universidade da Califórnia, ele me afirmou que classificamos o ser humano como racional, quando somos racionalizadores. Toda vez que evidências colocam nossas crenças em risco, fabricamos as mais bizarras justificativas para mantê-las vivas. “Os ataques em Nova York irritaram os extraterrestres e o pouso foi postergado”, racionalizaram os membros do Unarius ao final de 2001, após mais uma data de pouso “mal prevista” por Norman.
O perigo é que a cada passo que damos, a força da dissonância aumenta. Depois de entrar para o Unarius, passar anos indo a cerimônias, doar dinheiro para o culto, ajudar a reformar o templo, juntar-se a grupos de estudo e comprar dezenas de livros escritos por seus gurus, voltar atrás após uma profecia não realizada é como dar um atestado de insanidade a si mesmo. Por isso, em ocasiões como esta, as pessoas se tornam ainda mais fervorosas em suas crenças. Mesmo com a falha dos pousos profetizados para 1974, 1975 e 2001, a enorme propriedade de Ruth Norman ganhou uma plataforma de pouso, placas e iluminação, graças às doações dos fiéis. Em uma tentativa desesperada de convencer a si mesmos que não são malucos e manter sua autoestima elevada, os indivíduos aumentam suas apostas na crença, o que os cientistas chamam de escalada do comprometimento.
Desde que Bolsonaro perdeu as eleições, seus apoiadores obstruem estradas, acampam na frente de quartéis, gastam suas economias para ir à Brasília e tentam até mandar sinais para extraterrestres. A história se repete: ao investirem meses em campanha para Bolsonaro, decorarem seus carros com bandeiras, serem ativos em grupos de WhatsApp, doarem dinheiro para seu partido e brigarem com familiares e amigos, não é surpresa que os apoiadores farão o que puderem para provar a si mesmos que são racionais, dobrando seus investimentos nas manifestações e inclusive descartando as evidências de rachadinhas, imóveis em dinheiro vivo, favorecimentos no MEC e outros escândalos, na esperança de um disco voador que nunca chegará.
Como professor de pós-graduação, não me espanta o fato de muitos críticos dizerem não entender tal comportamento. Do lado de fora é sempre fácil ver a “irracionalidade” do outro grupo – a parte extremamente dolorida que ensino em minhas aulas é enxergar que seu próprio grupo se comporta de forma similar. A verdade é que esses críticos deveriam ser os maiores experts em comportamento bolsonarista, já que apoiaram um candidato que foi preso por corrupção e continuam fabricando as mais tolas justificativas para idolatrá-lo, como “a chácara não era dele”, “o petrolão é um golpe da mídia”, “o juiz de Curitiba era parcial”.
Nos tempos atuais, fico envergonhado ao imaginar como os membros do Unarius nos julgariam se descobrissem que acreditamos em políticos.
Luiz Gaziri é professor de pós-graduação na Unicamp e FAE Business School, escritor, palestrante e host do podcast Provocações Científicas.
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