São de causar (muito) incômodo as objeções que têm sido levantadas contra a indicação do professor Luiz Edson Fachin ao Supremo Tribunal Federal. Essas objeções podem ser reunidas e resumidas em dois aspectos: ter sido o porta-voz de um Manifesto de Juristas em 2010, em favor da candidatura à Presidência de Dilma Rousseff; e sua proximidade com movimentos sociais (CUT, MST etc.).
A indicação para o cargo de ministro do STF tem como requisitos o notável saber jurídico, reputação ilibada e idade superior a 35 anos. O professor Fachin cumpre com folga a exigência de notório saber jurídico. Sua trajetória acadêmica é sólida e profunda. É professor titular da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e seu trabalho é reconhecido nacional e internacionalmente. Seus trabalhos são invocados como referência, inclusive, pelo próprio STF. Fachin tem mais de 35 anos, menos de 65 e tem indiscutível reputação ilibada. Cumpre, portanto, todos os critérios exigidos para ocupar o cargo de ministro do STF.
Mas é importante voltar às objeções que têm sido invocadas. Fachin, como professor, advogado e cidadão que nunca se furtou ao debate público e ao posicionamento diante das questões difíceis, tomou posição em um momento em que foi questionado. E, naquela ocasião, posicionou-se a favor da eleição de Dilma Rousseff. Essa tomada de posição foi legítima. Ele podia fazer isso na condição de professor, advogado e cidadão. A nenhuma pessoa é vedada a tomada de posição em um cenário político-eleitoral. Ou os cidadãos não são mais obrigados a votar? Os juízes, inclusive os ministros do STF, também votam.
Fachin deverá – e não há dúvidas de que o saberá – manter a distância e a imparcialidade necessárias
- Fachin no STF e a defesa do produtor rural (artigo de Luiz Fernando Tomasi Keppen, publicado em 22 de abril de 2015)
- Da Praça Santos Andrade à Praça dos Três Poderes (artigo de Zaki Akel Sobrinho e Ricardo Marcelo Fonseca, publicado em 11 de abril de 2015)
- Leis em movimento (artigo de Demétrio Magnoli, publicado em 23 de abril de 2015)
- O Paraná e o Supremo (artigo de José Lucio Glomb, publicado em 16 de abril de 2015)
Se dos juízes em geral e ministros do STF em particular podemos exigir maiores discrições, não podemos exigir o mesmo dos demais cidadãos e, assim, do próprio professor Fachin quando o fez em 2010. Vale dizer que sua tomada de posição anos atrás, na condição de professor, advogado e cidadão, não significa que toda a sua atuação antes e depois disso estivesse ou ainda esteja comprometida, supostamente viciada. Ter sido o porta-voz de um Manifesto de Juristas não significa que sua atuação futura como ministro do STF esteja subjugada pela pessoa a quem um dia apoiou. Não se espera neutralidade de um juiz, mas sim sua imparcialidade. Escolher uma posição, ainda que lá em 2010 e em uma circunstância eleitoral na qual todos os cidadãos são obrigados a se posicionar (afinal, todos são obrigados a votar), não significa que ele não tenha imparcialidade para julgar, para ser ministro do STF. Concluir o contrário disso, como tem sido afirmado, é partir de uma premissa verdadeira (o fato de ele ter sido o porta-voz de um manifesto de juristas em favor de Dilma) e chegar a uma conclusão falsa (a de que esse apoio, anos atrás, invalidaria qualquer atuação sua como juiz e ministro do STF). Isso é o que chamamos de falácia, um sofisma argumentativo.
Ao ser indicado para o cargo de ministro do STF, Fachin deverá – e não há dúvidas de que o saberá – manter a distância e a imparcialidade necessárias que a partir de então o cargo passará a lhe exigir. O que garante isso? Toda a sua trajetória como professor, advogado e cidadão de notório saber jurídico, reputação ilibada e sua qualidade como respeitador, dentro dos marcos constitucionais, das diferentes concepções de bem e de vida.
Diante disso, a primeira objeção feita à sua indicação perde sua suposta qualidade crítica e, ao contrário, torna-se vantagem: em primeiro lugar, porque não passa de falácia, de sofisma. Em segundo lugar, porque o professor Fachin nunca se escondeu sob o falso manto da neutralidade, não se camuflou com o disfarce dos que tomam posições nos bastidores, mas as ocultam no cenário público. Sua tomada de posição anos atrás apenas demonstra como Fachin não se imiscui do dever de justificar publicamente suas posições.
Diante do exposto, a segunda objeção (a de que ele seria próximo de movimentos sociais) também se dissolve. Em primeiro lugar, porque ela também recai na mesma falácia, no mesmo sofisma de invocar um fato verdadeiro e dele extrair uma conclusão falsa, que não pode ser verificada. Dizer que o professor Fachin teve proximidade com os movimentos sociais não significa que suas decisões serão parciais e inválidas e que, por isso, ele jamais possa ser juiz ou ministro do STF. Dizer que Fachin teve proximidade com movimentos sociais não compromete sua indicação como ministro do STF, apenas o qualifica como alguém sensível e atento a todas as vozes do debate público. Além disso, o que se deve exigir de quem ocupa o posto de juiz constitucional é a justificação pública de suas decisões, a forma como compreende o conteúdo e o alcance das normas constitucionais. E isso o professor Fachin sempre fez, e com brilhantismo. Não é por outro motivo que seu reconhecimento decorre justamente da doutrina do Direito Civil Constitucional. Fachin tem sabido, como ninguém, refundar as bases do Direito Privado, sempre partindo de uma justificação constitucional, e, assim, tem devolvido a sensibilidade e o afeto de que tanto carece o Direito.
A indicação do professor titular e advogado Luiz Edson Fachin encontra respaldo em seu predicado como excepcional jurista. Suas eventuais posturas anteriores ou o contato que teve ao longo da vida com grupos sociais não maculam sua trajetória e certamente não comprometem sua atuação futura como ministro do STF. O que nos garante isso? Justamente a sua trajetória brilhante e ilibada como jurista e o seu compromisso, sempre presente e reafirmado, de justificação pública, constitucional, do Direito.