Trabalho na Universidade do Sul da Califórnia, e a instituição exige que, todo ano, eu lecione uma matéria no curso de educação geral. Embora às vezes eu me ressinta da obrigação, quase sempre o que prevalece é a gratidão. Passei a encarar essa minha aula como um sintoma de nossa democracia falha e, ao mesmo tempo, uma tentativa de exercê-la – iniciativa que exige um esforço que geralmente não queremos empreender.
"Educação geral" é o nome que a USC dá aos requisitos que exige de todo aluno, e que talvez em outras paragens ganhem o nome de "currículo essencial". É neles que se baseia a missão da universidade. Os alunos podem se formar em uma dúzia de cursos diferentes, mas supostamente devem concluir o nível superior tendo um mesmo núcleo de conhecimento intelectual, ético e cultural como guia, mesmo que optem por outra carreira.
Para cumprir esses requisitos gerais de educação, os alunos podem optar por diversas matérias, incluindo a minha: a guerra norte-americana no Vietnã. Todo início de ano há 150 inscritos. Um dos maiores desafios desse curso é o de se comunicar com aqueles que não são como nós, sejam estudantes ou professores. Para muitos destes últimos, treinados para a especialização, ter de falar para um público mais amplo é motivo de horror; já minha abordagem é criar uma história, uma narrativa – ou pelo menos uma série de questões – que eu possa contar aos alunos e que tenha o poder de nos unir.
Meus alunos são representantes da universidade, ou seja, dedicam-se principalmente às ciências, saúde, administração, direito etc. Como no resto da nossa democracia, uma pequena porcentagem é de veteranos que voltaram da guerra; outros poucos são cadetes se preparando para ela. Apenas uma minúscula minoria vem de humanas, área em que se concentram meus compromissos mais elaborados em inglês, estudos norte-americanos e etnia e literatura comparada.
A educação geral não é fácil, nem para o aluno, nem para o professor
Embora esses títulos não façam mais sentido que as fitas no peito do soldado para a grande maioria, os dois significam a mesma coisa: compromisso. Os soldados têm ideais, como também os professores. Infelizmente, tanto uns quanto outros acabam contaminados pela realidade, que inclui desde os orçamentos absurdamente inchados do Pentágono às universidades particulares absurdamente caras. E é fácil esquecê-los depois de dez ou vinte anos no "mundo real", quando o pragmatismo se torna natural, o idealismo da juventude parece ingênuo, a "experiência" pode se tornar sinônimo de resignação ao estado de coisas e o cinismo se mascara como "sabedoria".
É esse o aspecto que adoro nesse curso. Se fizer meu trabalho corretamente, aprendo tanto quanto os alunos. Com sua juventude, inocência, esperança e idealismo eternos, eles me levam a crer que o mundo pode, sim, mudar.
Mesmo que esses jovens se vejam em conflito com as ansiedades reais em relação ao futuro e seus problemas pessoais, sua existência é um lembrete da minha função mais básica na universidade: ensinar. Maus professores desperdiçam a vida e o tempo, seu e dos outros; os bons, competentes, ensinam a matéria. Os ótimos dão algo que tiram lá do fundo de si mesmos.
Espero ser bom, e torço para ter o necessário e, um dia, chegar a ser excelente. Para isso, tenho de estar sempre presente para meus alunos; acreditar na importância da minha posição; transmitir minha paixão pela matéria para a classe; conhecer bem minha própria história para contá-la aos jovens. Nas minhas aulas, eles aprendem que houve uma guerra terrível que matou milhões de pessoas ao longo de vários anos: norte-americanos, cambojanos, laosianos e vietnamitas, entre outros. O resumo do curso é o seguinte: a guerra nos envolve a todos, soldados e civis, homens e mulheres, jovens e velhos, ao mesmo tempo revelando e despertando nossa humanidade e nossa desumanidade, ambas duradouras e intrinsecamente ligadas.
As questões que levanta também são universais: como a desigualdade dos países e culturas determina a forma como essas histórias são contadas e ouvidas? O que é só uma lembrança? O que é o esquecimento? Como o perdão genuíno é possível, em forma de dádiva irrestrita ou sem expectativa de reciprocidade?
Nossa obrigação mútua, como professor e estudantes, é a de nos importarmos. Eu me preocupo o suficiente para preparar aulas interessantes e estimular a discussão, mesmo com 150 alunos; eles, na grande maioria, mostram isso comparecendo às aulas. A obrigação deles, como a de todos os cidadãos e membros da sociedade, é a de ouvir e aprender; questionar; participar; fazer parte de uma sala onde compartilham semelhanças e diferenças, demandas bem semelhantes às que a democracia exige de todos.
Temos um presidente que não foi eleito pela maioria dos eleitores. Há muitos outros líderes em nossa democracia, que estão a cargo da política, da economia e da cultura; quantos deles podem dizer honestamente que se comunicam e servem à grande maioria das pessoas sob sua responsabilidade? Quantos podem dizer que são também professores, às vezes por causa da lição que podem oferecer, mas principalmente pelo exemplo que dão?
- Educação é outra história (artigo de Fausto Zamboni, publicado em 3 de agosto de 2018)
- Método fônico – integrações possíveis (artigo de Márcia de Oliveira Regis e Noemih Sá Oliveira, publicado em 30 de março de 2019)
- Esperança para a educação brasileira: práticas simples e efetivas (artigo de Márcia Teixeira Sebastiani, publicado em 18 de agosto de 2018)
O espírito da educação geral – o de um núcleo comum – deve prevalecer entre eles também. E por que não para o presidente? A educação geral não é fácil, nem para o aluno, nem para o professor; muitas vezes, nenhum dos dois quer estar ali. Porém, se os estudantes podem se mostrar relutantes, é obrigação dos professores – e dos líderes – mostrar entusiasmo. Eles têm de buscar dentro de si a paixão e a história que unem seu público.
Atualmente, o espírito da educação geral é marcado pela desigualdade, seja no aspecto econômico do país, seja na maioria das universidades. A triste realidade da educação superior é que grande parte dos professores trabalha em meio período sem nenhuma estabilidade. O professorado em tempo integral – exercido por gente como eu – não é recompensado pela qualidade do ensino, mas pela pesquisa e pelos escritos, quase sempre realizados de forma obscura para um público especializado.
A educação superior, como o resto da sociedade norte-americana, começando pelos líderes políticos e corporativos, sinaliza mensagens contraditórias: na teoria, damos prioridade à educação geral, ou a um país unificado, mas, por outro lado, colocamos empecilhos na hora de realmente servir aos alunos e aos eleitores. Nesse aspecto, ela é, de fato, um microcosmo que representa nossa sociedade e suas falhas, com uma elite privilegiada e bem paga e uma imensa maioria que trabalha muito e ganha pouco.
Se nossos líderes devem ser professores, nossos professores também têm de ser líderes, entendendo que o que fazemos nas universidades não é só lecionar ou pesquisar, mas servir de exemplo para o que a democracia deve ser. O professor mais conceituado deveria lecionar nos cursos de graduação, como também aquele que está começando agora e tem pouca experiência ou salário insignificante, de modo que também possa participar da promessa de nossa educação geral: a de preparar os jovens para os objetivos da realização econômica e da responsabilidade democrática. Um não pode sobreviver sem o outro.
Viet Thanh Nguyen é romancista.
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