Nada como a grande literatura de ficção para desenvolver no leitor a capacidade de julgamento moral. (Olavo de Carvalho, professor e filósofo)
Há autores que são lidos para aguçar a mente; outros, para tocar a alma; e há aqueles para as necessidades e anseios do corpo. Ler 1984, de George Orwell, revela-se como uma necessidade tanto para alma que deseja não ter sua individualidade amordaçada pelo coletivismo ideológico, como para a mente que não aceita ter sua análise da realidade silenciada e criminalizada. Orwell conseguiu analisar o modus operandi de governos totalitários, pelos quais se busca a hegemonia de narrativa na sociedade e a destruição de tudo que vai contra uma ideia de “mundo melhor”, que nada mais é, na realidade, que o intento de um grupo em obter controle social, de restringir as nuances que tornam cada individuo único, para que estes se adequem a um modelo de cidadão que em seu cotidiano reflete somente as diretrizes do seu coletivo, uma mera bandeira, um mero panfleto. Como afirma Luiz Felipe Pondé em seu livro Contra um Mundo Melhor, nos últimos séculos, acreditar num mundo melhor se transformou na pior prisão para o pensamento e para a alma. No limite, uma falha de caráter.
Uma ideologia não consegue compreender a realidade por esta ser demasiadamente complexa, embora possa oferecer um norte de entendimento em alguns momentos. A ideologia marxista tenta não somente compreender, mas moldar a sociedade; o binarismo marxista, opressores contra oprimidos, existe para promover luta de classes, vertendo ódio na mente dos grupos que categoriza como parte dos oprimidos, contra o grupo dos opressores. Como diz Norman Doidge, psiquiatra e escritor do prefácio do livro Doze regras para a vida, de Jordan Peterson: "As ideologias substituem o conhecimento verdadeiro, e os ideólogos são sempre perigosos quando ganham poder, pois um comportamento simplista e sabe-tudo não é páreo para a complexidade da existência. Além disso, quando suas engenhocas sociais não funcionam, os ideólogos não culpam a si mesmos, mas a todos que desmascaram suas simplificações".
O politicamente correto é um meio de nortear a população ideologicamente por meio da linguagem, de desacreditar acadêmicos e debatedores que não se dobram diante da patrulha ideológica
Um dos pontos que mais me chama atenção, e que tem um paralelo muito forte com a ditabranda do politicamente correto defendida pela esquerda, é a linguagem inventada pelo governo totalitário da obra 1984, a Novilíngua. Seu intuito era restringir o pensamento das pessoas por meio da retirada de sentidos ou mesmo de vocábulos. Quando ouço termos como "mansplaining", "lugar de fala", "maninterrupting", "homem cis", "translésbica" e toda a sorte de vocábulos que surgem de movimentos como o LGBTI+ e do feminismo, braços da esquerda, percebo que o intuito é isolar e desacreditar aqueles que não compactuam com as ideias e agenda desses grupos. O politicamente correto é um meio de nortear a população ideologicamente por meio da linguagem, de desacreditar acadêmicos e debatedores que não se dobram diante da patrulha ideológica. Como diz Olavo de Carvalho no seu artigo A USP e a Folha, “o discurso agora chamado 'politicamente correto' se erige em opinião dominante, inibindo e marginalizando toda oposição conservadora ou religiosa”.
O personagem principal da obra 1984, Winston Smith, escreveu em seu diário uma frase que me amedronta sempre que a releio: “Crime de pensamento não acarreta morte: crime de pensamento é morte”. O modo de pensar é criminalizado na obra distópica orweliana, mas tal elemento não está longe de se consumar, similarmente, em uma realidade num futuro próximo. O STF criminalizou o que é homofobia mesmo sem defini-la, o que confere a tal palavra uma elasticidade semântica monumental; para alguns, ser contra a entrada de atletas transgêneros em ligas femininas é homofobia, assim como um cristão afirmar que o ato homossexual é pecado, e a lista segue. Pensar de modo diferente do que o coletivo ideológico e sua tirania afirmam ser o “melhor”, já que outras formas de analisar a realidade não “cabem mais”, é crime – em público, no privado e até mesmo no refúgio seguro que deveria ser o pensamento.
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Humoristas como Danilo Gentili são perseguidos enquanto outros que seguem a agenda politicamente correta são exaltados. Criticar o grupo dos “oprimidos” é ser nazista, fascista, fundamentalista; assim, grande parcela da sociedade é isolada do debate. Ser contra cotas é ser contra minorias, criticar o feminismo é ser machista e, se a crítica vem de uma mulher, ela é traidora do movimento que “libertou” as mulheres de serem livres como indivíduos para serem prisioneiras de uma falácia ideológica e histórica. Palavras como “masculinidade tóxica”, como bem pontua em diversas palestras o escritor Jordan Peterson, carecem de definição e, num debate honesto e substancial, definição é algo fundamental para que o objeto seja analisado apropriadamente – então, qual a razão de este termo estar tão em voga na mídia? Restringir um comportamento moralmente e/ou legalmente não aceito pela sociedade a um determinado grupo enquanto outro fica com o monopólio da virtude (portanto, questionar falas e ações deste) é possuir uma moral nociva e ter uma postura legalmente criminosa.
Como diz Hannah Arendt no seu livro Origens do Totalitarismo, “a diferença fundamental entre as ditaduras modernas e as tiranias do passado está no uso do terror não como meio de extermínio e amedrontamento dos oponentes, mas como instrumento corriqueiro para governar as massas perfeitamente obedientes”. É no cotidiano que podemos desafiar o binarismo marxista, e para isso nada melhor que uma dose de coragem, da filosofia de nomes como Olavo, Pondé e Joel Gracioso, bem como obras de ficção como 1984, uma ode à liberdade e à luta do homem contra a tirania e o extermínio da sua humanidade.
Carlos Alberto Chaves Pessoa Júnior é formado em Letras, é professor de inglês e espanhol e consultor bilíngue.