“País rico não é aquele em que pobres andam de carro, mas sim aquele em que ricos andam de transporte público.” (Georgeana Alves)
Três prefeitos do Paraná – Marcelo Belinati (Londrina), Marcelo Roque (Paranaguá) e Hissam Dehaini (Araucária) – são exemplos de como encontrar soluções e alternativas na melhoria do transporte urbano nas médias e grandes cidades. Os três, dentro das condições de cada município, estão reduzindo as tarifas ou implantando a tarifa zero. São cases que devem ser estudados por outros gestores, apesar de ser um tema complexo e que requer o envolvimento de toda a sociedade nesta discussão.
A urgência da situação levou, ainda em 2021, um grupo de prefeitos de todo o país ao Congresso Nacional para tentar sensibilizar deputados e senadores sobre o iminente colapso do transporte público. A transferência de recursos da União para sustentar o funcionamento dos sistemas de ônibus urbanos é apontada pelos gestores como a melhor alternativa para salvar o fraquejante serviço existente nas cidades brasileiras.
A justa reivindicação dos prefeitos por subsídio foi acompanhada de manifestações preocupantes em vários municípios, que já enxergam o abismo no horizonte próximo. Muitos acreditam que a partir de março terão sérias dificuldades para manter os sistemas locais sem penalizar ainda mais os usuários com expressivos aumentos de tarifas. Vieram à memória os protestos de 2013.
A alternativa sugerida é um repasse federal de R$ 5 bilhões. O valor cobriria as gratuidades determinadas por leis de abrangência nacional. É um argumento bastante lógico e verdadeiro. Todos sabemos que as prefeituras arcam cada vez mais com despesas impostas de cima para baixo, sem a devida compensação. Sempre é bom lembrar que a União concentra quase 70% da arrecadação de receitas tributárias.
A crise no transporte público vem se agravando nos últimos anos, com queda no volume de usuários, e se aprofundou a olhos vistos na pandemia, com os problemas da sustentabilidade financeira. O quadro se agravou ainda mais com a alta no preço do diesel e a premente reposição salarial para compensar as perdas inflacionárias na renda dos trabalhadores do setor.
O fato é que precisamos discutir alternativas e revisar o modelo de transporte público no país, que é basicamente sustentado pelas tarifas. Houve mudanças de cultura e de costumes para além da pandemia. Há tempos uma parcela grande das pessoas trocou o ônibus coletivo pela moto, pelo carro e, agora, pelo transporte por aplicativos e pela bicicleta. A frota de veículos particulares cresceu 330% nos últimos 20 anos.
A evolução tecnológica trouxe os aplicativos de mobilidade e a melhoria da conectividade ampliou o acesso a serviços on-line, notadamente no sistema bancário e em órgãos públicos. Com a internet, as pessoas não precisam nem sair de casa para fazer compras. O home office virou realidade para diversas atividades. Os comportamentos se alteram, mas milhões de pessoas continuam a precisar de ônibus para ter acesso a emprego, educação, saúde e lazer. O direito a serviços públicos de mobilidade é premissa constitucional, inclusive. Por isso, é hora ir além da tentativa de salvar o sistema atual. Em muitos casos, insistir “no que tem pra hoje” significará perpetuar um modelo ultrapassado.
É hora ir além da tentativa de salvar o sistema atual. Em muitos casos, insistir “no que tem pra hoje” significará perpetuar um modelo ultrapassado
O subsídio às tarifas tem sido o principal instrumento para assegurar o financiamento do transporte público. É um mecanismo universal, aplicado em várias partes do mundo. Mesmo com as peculiaridades locais, trata-se de uma iniciativa voltada para sustentar o funcionamento da estrutura privada que serve ao público. Ou seja, para garantir a manutenção do negócio.
Quero retomar um tema sobre o qual já escrevi anteriormente, mas que considero relevante resgatar. É a gratuidade total do serviço, que seria bancada pela criação de um fundo específico. A ideia é reacender o debate sobre o futuro do transporte público que, conforme relatam os prefeitos, está à beira do colapso. O que fez o prefeito Marcelo Roque em Paranaguá requer a devida atenção.
No Brasil inteiro, todo o sistema custa cerca de R$ 60 bilhões por ano e praticamente 90% disso é arcado pelos passageiros. Os incentivos públicos representam 10%. A criação de um fundo implica em direcionar para ele as receitas previstas em leis já existentes, que tratam da mobilidade urbana, sejam no âmbito municipal, estadual ou federal. A legislação brasileira determina que recursos de vários impostos devem ser aplicados na melhoria da mobilidade urbana, mas na prática isso não acontece. A criação de um fundo, reunindo o dinheiro dessa arrecadação que a população já paga, é que vai viabilizar a tarifa zero. São ao menos 17 leis, decretos, medidas e atos que podem financiar o fundo, que poderia receber também parte das receitas das Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) e um percentual do ICMS arrecadado na venda de combustíveis, além de parcela do IPVA que cabe aos municípios. As prefeituras poderão adotar novas taxas de contribuição, principalmente de grandes empreendimentos que precisam pagar pelo potencial construtivo.
O setor privado também pode contribuir com a formação do fundo, direcionando obrigatoriamente recursos que já gasta na concessão do auxílio-transporte para os trabalhadores. Lembremos que o mundo cobra de nós medidas de sustentabilidade ambiental e um ônibus é capaz de tirar 50 carros da rua.
A implantação da tarifa zero no transporte coletivo é uma utopia possível. Os recursos existem e precisamos de vontade política para fazer este debate avançar. Está na hora de repensar o modelo e oferecer uma solução que coloque no foco aqueles que mais precisam do amparo do poder público.
Luiz Claudio Romanelli, advogado e especialista em Gestão Urbana, é deputado estadual e vice-presidente do PSB do Paraná.
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