Qualquer pessoa que reflita um pouco sobre as questões de mobilidade no Brasil e analise as evidências não demora a chegar a essa pergunta: por que não temos mais e melhores ciclovias? O raciocínio é simples. Vivemos em cidades cada vez mais populosas, mas as vias para chegar às regiões centrais – para onde todo mundo vai – praticamente não mudam. Isso quer dizer que há mais pessoas tentando se deslocar pela malha tradicional ocupada pelos carros e ônibus.
A consequência disso também é fácil de prever: mais trânsito e mais poluentes emitidos na atmosfera. Ou seja, além de demorarmos mais tempo no transporte, em condições cada vez piores e mais desconfortáveis, também estamos respirando pior. Uma pesquisa divulgada no fim de maio deste ano pela 99 App mostrou que uma pessoa perde, em média, cerca de 32 dias por ano no trânsito. De cada dez entrevistados, quatro declararam que é muito difícil se locomover no país.
Essa mesma pesquisa mostrou o que já estamos percebendo há alguns anos: as pessoas não usam carro só porque querem, mas porque as outras opções não são viabilizadas da forma eficiente. Um exemplo é o transporte público, que ainda não oferece conforto e praticidade em boa parte das cidades. Nesse estudo da 99 App, 30% dos proprietários de carros disseram que abririam mão do veículo para utilizar outros meios de transporte. Entre as justificativas estão o gasto com os carros e a mudança no estilo de vida.
Ainda temos poucas ciclovias e as que existem nem sempre são adequadas
Neste contexto, uma alternativa que vem crescendo muito são as magrelas. Sim, bicicletas aparecem como solução de mobilidade nas grandes cidades e, também, para as questões climáticas, uma vez que substituem veículos que emitem gases poluentes. No mundo todo, registram-se o boom de bicicletas compartilhadas e novas marcas surgindo como opções.
No entanto, por mais que as bikes apareçam como solução para todo esse cenário que descrevemos, infelizmente aqueles que resolvem deixar o carro e subir em uma bike ainda enfrentam problemas nas grandes cidades. Ainda temos poucas ciclovias e as que existem nem sempre são adequadas. Algumas delas atravessam pontos de ônibus, outras ligam nada a lugar nenhum e há aquelas que disputam espaço com pedestres e até carrinhos de bebê.
Por outro lado, não dá para dizer que tudo vai mal, pois a malha cicloviária tem crescido. Um levantamento feito pela GloboNews junto às prefeituras das 26 capitais e Distrito Federal, em 2018, mostrou que o Brasil tem 3.291 km de vias destinadas aos ciclistas, o que representa um crescimento de 133% em quatro anos.
Outro dado interessante foi apresentado recentemente pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) de São Paulo. Segundo o órgão, os acidentes de trânsito caíram 38% por ano em locais onde foram implantadas ciclovias na Zona Oeste da capital paulista. A região possui um total de 64 ciclofaixas e ciclovias. Antes da construção, realizada entre 2011 e 2016, esses trechos apresentaram uma média anual de 607 acidentes por ano, envolvendo bicicletas, motos, carros, ônibus e caminhões. Trata-se de um dado de uma micro região, é verdade, mas é um indicador sólido que deve ser levado em consideração.
VEJA TAMBÉM:
- Os bons agouros da bicicleta em Curitiba (artigo de Jorge Brand 'Goura', publicado em 8 de abril de 2018)
- Ciclovia não é solução de transporte (artigo de Rodrigo Makarios, publicado em 13 de outubro de 2016)
- Somente o planejamento urbano viabiliza a mobilidade (artigo de Luiz Augusto Pereira de Almeida, publicado em 29 de setembro de 2018)
Mas, quando olhamos para as cidades no exterior percebemos que temos muito o que avançar. Em Copenhague, na Dinamarca, 62% dos cidadãos andam de bicicleta diariamente para trabalhar ou estudar e apenas 9% dirigem carros. Nos últimos anos, a cidade ganhou dezesseis novas pontes para bicicletas. Copenhague está em primeiro lugar entre as 20 melhores cidades do mundo para andar de bicicleta, segundo a edição 2017 do ranking da Copenhagenize.
Já em Estrasburgo, na França, o governo local destinou uma cota modal de 16% para o transporte de bicicletas. Em Utrecht, na Holanda, os planos do governo são de construir 33 mil vagas de estacionamento para bicicletas na Estação Central até 2020. Isso porque a cidade já tinha 12 mil pontos destinados ao estacionamento das bikes.
Motivos e bons exemplos para investimentos na malha cicloviária no Brasil não faltam. E é por isso que não é difícil chegar à pergunta inicial que, a propósito, não é retórica. Precisamos mesmo de uma resposta dos nossos governantes: por que não temos mais e melhores ciclovias?
Victor Hugo Cruz é formado em Engenharia Mecânica pelo Centro Universitário Fundação Educacional Inaciana (FEI) e é fundador e CEO da Vela Bikes.