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As taxas de juros desempenham, em uma economia capitalista, a função de serem o “preço do dinheiro”. Por meio delas é possível fazer o confronto entre a demanda e a oferta de moeda. Quanto mais baixa ela está, mais moeda há em circulação e menor é o preço dela. Porém, quando a moeda é escassa, os juros são elevados. Tudo o mais constante, as taxas de juros baixas são a força motriz de novos investimentos, sendo algo desejável pelo mercado e pelo governo, pois isso reduz o custo de rolagem da sua dívida e dá à economia as condições de financiamento adequadas para que haja crescimento.
O Banco Central, instituição responsável pela política monetária, faz o controle da taxa de juros via operações de mercado aberto, com o objetivo de perseguir suas metas de inflação. Em muitos países, os bancos centrais têm o que se chama de “mandato dual”: buscam atingir o menor índice de inflação possível mantendo o pleno emprego. Entretanto, a autoridade monetária do Brasil não trabalha com mandato dual: busca somente o controle da inflação. Assim, as taxas de juros são fixadas no intuito de se atingir as metas de inflação. Desta forma, expectativas de aumento dos preços acima da meta são corrigidas via aumento da taxa básica de juros (Selic) e possíveis deflações abaixo da meta são tratadas com a redução dos juros.
Historicamente, o Brasil é conhecido como o país das altas taxas de juros. Após a redemocratização, especialmente por causa da elevada inflação, o Brasil, por muitos anos, inclusive recentemente, praticou juros nominais na casa dos dois dígitos. No período compreendido entre 1998 e 2005 tivemos taxas de juros acima de 15% e, ainda mais, chegamos a ter nessa mesma época juros reais acima de 10%. O Brasil chegou a ser o campeão mundial de juros reais em 2015, quando a Selic estava a 14,25% ao ano.
Todavia, atualmente praticamos uma das menores taxas de juros da nossa história. Em parte, isso é devido ao arrefecimento que houve na economia com a crise do coronavírus, fazendo com que o nosso índice oficial de inflação (o IPCA) figurasse em queda, o que fez com que o Banco Central abaixasse os juros. Hoje, temos juros reais negativos, com inflação de 4,52% no ano de 2020 e Selic em 2%, coisa que há tempos vinha sendo praticada nas economias desenvolvidas. Entretanto, apesar de nos situarmos nesse piso histórico da Selic em 2% ao ano, ainda somos, de acordo com um levantamento feito pela Infinity Asset Management em 2020, um dos 20 países com maiores taxas de juros reais do mundo.
No que diz respeito estritamente ao custo do crédito, deveríamos ser hoje mais favoráveis aos empreendedores que já fomos no passado. Contudo, toda essa política de juros reais negativos acaba repercutindo pouco na ponta. O custo dos empréstimos permanece elevado, o que faz com que tais reduções na Selic tenham pouco efeito no crescimento da economia nacional.
De acordo com o Banco Central, o custo do crédito em meados de 2020 para pessoas físicas e jurídicas foi, em média, respectivamente 28% e 15,8% ao ano. Este indicador reflete a taxa de juros média efetivamente cobrada no Brasil nas operações de empréstimo contratadas. Esses indicadores apontam que, apesar da queda na Selic, os juros baixos ainda não conseguem chegar à ponta – as famílias e as empresas não têm acesso a crédito barato.
Um estudo feito em 2019 pelo International Institute for Management Development apontou que, numa lista de 63 países desenvolvidos e em desenvolvimento, o Brasil seria o que tinha o pior custo de crédito. Tal fato tem impactos diretos na produção econômica – o investimento empresarial só ocorre caso a expectativa de rendimento do empreendimento seja mais elevada que o custo do capital para efetuá-lo. Caso isso não ocorra, o empreendimento nem sequer é iniciado e a economia se estagna.
Tem-se defendido que o aumento da concorrência no setor financeiro irá reduzir o custo de crédito. Alguns atores relevantes apostam que a chegada das fintechs e a expansão das cooperativas de crédito serão fatores determinantes para que a redução das taxas de juros tenha capilaridade suficiente para atingir o tomador de empréstimo final. Todavia, tal argumentação precisa ser aprimorada com uma análise mais global dos reais motivos pelos quais o crédito é caro no Brasil, para assim determinar quais remédios devem ser devidamente usados na solução desse problema.
No ano de 2015, segundo estudo do Centro de Mercado de Capitais, 72,2% de todo o crédito disponível no sistema financeiro foi absorvido pelo setor público para suprir suas deficiências de caixa e financiar novos investimentos. Assim, só restou para o setor privado 27,8% do crédito nacional, que foi dividido entre as famílias e as empresas. Esse agigantamento das necessidades de financiamento do setor público é um dos responsáveis pelo elevado custo do crédito, pois diminui a disponibilidade do sistema financeiro para o setor privado. Assim, o equilíbrio nas contas públicas se mostra fundamental na redução da taxa de juros para o tomador final.
Ademais, outros fatores contribuem para que, apesar do aumento do estoque monetário proporcionado ultimamente pelo Banco Central, haja restrição da oferta de crédito elevando a taxa de juros final. Tais fatores podem ser resumidos numa expressão conhecida por muitos: o “custo Brasil”. O estudo do International Institute for Management Development anteriormente citado também apontou que, dentre os mesmos 63 países, o Brasil ficou em penúltima posição em um indicador que avalia a compliance dos contratos públicos, burocracia, equidade de oportunidades e balanço das contas governamentais. E, em 2019, a Serasa Experian divulgou dados mostrando que cerca de 63 milhões de brasileiros tinham dívidas em atraso. Pode-se dizer, assim, que cerca de 40% da população brasileira adulta está inadimplente.
Podemos resumir tais características dizendo que o Brasil possui uma governança institucional que desincentiva as instituições financeiras a concederem crédito: alta burocracia, custos de cobrança caros e elevada inadimplência, dentre outros fatores limitantes. Por conseguinte, de fato conseguimos acompanhar as políticas monetárias dos países desenvolvidos levando nossa taxa básica de juros real a ser negativa. Entretanto, esse fenômeno não se traduziu em efetivas reduções do custo dos empréstimos para as famílias e as empresas. O Brasil urge por correções na sua governança institucional, pois o crédito na ponta restará caro e o investimento privado não decolará enquanto os problemas nacionais estruturantes não restarem resolvidos.
Lucas Pedrosa é mestrando em Economia e integrante da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental de Sergipe.