Ouça este conteúdo
Nas últimas semanas houve ampla repercussão sobre o plano do Executivo brasileiro de sequenciar as etapas do leilão de faixas de radiofrequência para prestação de serviços de comunicação móvel com uso de tecnologias 5G. O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações aguarda os trâmites de análise do edital pelo Tribunal de Contas de União. Se tudo prosseguir adequadamente, a Agência Nacional de Telecomunicações poderá, enfim, publicar o instrumento e abrir os prazos para operadoras e empresas provedoras de serviços de conexão na concorrência pelas faixas.
Existem desafios típicos em processos de expansão da rede de comunicação móvel, investimentos a serem feitos pelas empresas vencedoras, mas o fato é que o país conseguirá colocar em marcha o indispensável eixo de modernização das estruturas de conectividade na internet. Deixo uma advertência inicial, no entanto: o 5G representa o presente, não o futuro, da conexão de internet móvel no globo. Trata-se de tecnologia de conectividade baseada em agilidade, rapidez, economia de banda e aproximação entre cidadãos, máquinas e programas.
O 5G é essencial para os processos de digitalização da economia e favorecerá a integração de produtos, serviços e soluções digitais em várias áreas, em benefício ao consumidor e da cadeia produtiva. Agroindústria, transportes, mobilidade urbana, telemedicina, seguros, bancos digitais, serviços de armazenamento em nuvem e streaming, todos serão imediatamente beneficiados, em escala e volume de operações. Os efeitos do 5G são exponenciais, pois é uma tecnologia que veio para transformar a indústria e os ciclos de inovação tecnológica na área digital. Empresas contarão com alto ganho de produtividade e a atividade empresarial terá condições de se comunicar mais rapidamente. Isso porque o 5G permite fortalecer maior velocidade, maior densidade de conexões e maior eficiência espectral.
E não apenas isso. O 5G responde pala onipresença da internet, permitindo a conectividade entre humanos, objetos e sistemas de autônomos e inteligentes (aplicações em inteligência artificial) com maior facilidade. O 5G e a Internet das Coisas também se articulam para melhorar os processos existentes na vida econômica digital. Por exemplo, no agronegócio, a automação de colheitadeiras e borrifadores, o uso de drones para monitoramento das safras e colheitas serão altamente beneficiados por tecnologias 5G. Médicos serão capazes de realizar uma cirurgia estando em um país ou região e o paciente em outros, por exemplo. Carros sem motoristas, cirurgias a distância, aumento da conectividade rural são apenas algumas das várias aplicações beneficiadas pelo 5G. Por isso a nova geração de conexão impulsiona a Internet das Coisas: as pessoas não só vão se comunicar entre elas como também vão se comunicar com objetos, e objetos vão poder se comunicar entre si. Existe um apelo de mudanças, transformação relevante no modo de viver, que também é resultado do uso de tecnologias profundas (“deep technologies”) na sociedade.
A velocidade do 5G poderá ser até 100 vezes maior do que a utilizada atualmente, pois ela está fundada em “baixa latência”. Por exemplo, os tempos de conexão entre aparelhos móveis operando em 5G devem ser inferiores a 5 milissegundos (ms), muito menor que a latência de 30 ms das redes 4G hoje amplamente utilizadas no Brasil. É possível visualizar esse diferencial, tal como baixar um filme em menos de 4 segundos ou carregar uma página na internet em 25 milissegundos. No fim do dia, a grande utilidade prática do 5G estará na indústria, com a conectividade entre dispositivos (daí o conceito de M2M – “machine to machine”), mas favorecendo o aperfeiçoamento das tecnologias socialmente desejáveis.
A situação do Brasil, contudo, nunca será tão simples. Um dos maiores desafios do segmento de conectividade na internet tende a ser a ampliação da área de cobertura a partir do uso disseminado do 5G, como globalmente reconhecido. Essa é a principal frente que levou a União Internacional das Telecomunicações (UIT), por exemplo, a declarar como essencial o uso da tecnologia 5G nesta nova década da era digital. De acordo com a Conexis Brasil Digital, em 2020 o Brasil tinha 5.275 municípios participando da cobertura 4G. Houve um aumento de 13% em relação a 2019. Segundo mapeamento da Anatel, apenas 11,1% de toda a extensão territorial do país tem cobertura 4G, que é essencial para a instalação do 5G. Esses indicadores, inclusive, são medidos periodicamente pela UIT, pelas pesquisas incluídas no TIC Domicílios, do Cetic.Br, e são relevantes para demonstrar se, e em que medida, o Brasil tem elevado seus índices de penetração da internet, respondendo pelo contingente de quarta maior comunidade digital no globo.
Nesse percurso pretendido pelo Estado brasileiro, será necessário realizar a adaptação de redes para a utilização do 5G, que exigem hardware específico, incluindo a modernização das antenas. Outras dificuldades estão no binômio volume de dados/capacidade de armazenamento, com data centers menores e próximos aos usuários, mas sem obrigações de localização de instalações informáticas no Brasil, para que se possa preservar a liberdade de circulação de bens digitais e dados em escala transnacional. Não é realista, portanto, proposta absurda de alguns parlamentares brasileiros para leis obrigando empresas de tecnologia a sediar data centers no Brasil, sobretudo em virtude dos elevados custos de infraestrutura, da necessidade de constante resfriamento dos servidores e condições climáticas desfavoráveis. Afinal, continuamos um país de altas temperaturas anuais. Por fim, o Brasil deverá expandir a utilização de cabeamento com fibra ótica, aumentar a digitalização de funções da rede de celulares e automatizar as operações de rede, com uso de IA.
Apesar de tantos desafios concretos, o prognóstico para a economia digital, no entanto, é favorável. O 5G hoje se encontra no epicentro de uma mudança tecnológica global – com novas oportunidades e desenvolvimento de modelos inovadores de negócios digitais. Estima-se que até 2035 o 5G possa gerar cerca de US$ 12 trilhões em atividade econômica global. A cadeia de valor global do 5G gerará US$ 3,5 trilhões em produção e apoiará 22 milhões de empregos nas áreas da indústria e serviços. Embora o 5G aumente a conectividade entre máquinas, a presença humana ainda será fundamental, na programação, nos usos derivados. Isso significa que a economia digital não pode estar desacompanhada em investimentos na melhoria das competências profissionais e humanas que acompanham a indústria. O Brasil, entre as economias da OCDE, é um dos mais atrasados, porque os governos anteriores e o atual optaram por desinvestir em ciência, tecnologia e educação. Esse indicador é responsável pela percepção de que o país não poderá superar as exclusões digitais concretas e o baixo letramento digital necessário para que uma economia baseada em 5G possa prosperar. Aliás, sem essa associação, impossível o Brasil ser um agente de destaque ou minimamente em emergência nessa área. O atual governo, por exemplo, não apresentou ainda planos mais ambiciosos para uso do 5G, à exceção de menções vagas na Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial. Universidades, laboratórios de pesquisa e indústria são essenciais no caminho da digitalização da economia e têm sido largamente abandonados pela visão integrada de investimentos em educação e CT&I.
Especialmente na área jurídica, o desenvolvimento e a expansão do 5G, Internet das Coisas e de entes autônomos e inteligentes (uso de IA) são fatores de desafios e tensões regulatórias. Penso que as escolhas de políticas de como interferir na concepção, implantação e funcionamento de tecnologias não podem estar desarticulados com prioridades sociais, econômicas e culturais. Por exemplo, a internet de modo geral oferece muito espaço para que cidadãos utilizem suas ferramentas, que novos negócios digitais possam florescer. Ambientes de liberdades digitais não podem ser pensados sem um equilíbrio de princípios e objetivos, entre a eficiência/rapidez, segurança/previsibilidade e proteção de direitos de usuários e cidadãos. Esse aspecto é evidente contra rastreamentos, vigilância e falta de transparência em tratamento de dados (coleta, processamento, armazenamento, compartilhamento etc.).
Deve haver espaço para transformação regulatória na infraestrutura em que o 5G opera para acomodar demandas em torno de dados e conteúdo digital. Gerações anteriores são dependentes de macroestruturas, antenas e torres de distribuição. Uma estrutura hoje existente de grandes torres poderá ser reutilizada e adaptada para o 5G. Todavia, ela não atenderá a demanda exponencial dos usos de 5G, em particular pelo aumento de tráfego de dados e equipamentos em conectividade mútua. Tendo em vista a elevada concentração do tráfego e alto espectro de onda acima de 3 GHz, operadores serão levados a apostar na estrutura de pequenas estações ou small cells. A indústria de infraestrutura de comunicação de dados será fortemente pressionada e fará pressões junto a reguladores em escala global e em nível local. Ela exigirá a atualização das formas de licenciamento; alteração de prazos de sua concessão e vigência, e revisão das normas de instalação e manutenção da rede que atualmente ainda refletem a estrutura antiga.
No Brasil, por exemplo, a Resolução Anatel 680/2017 desobriga a necessidade de obtenção de prévia outorga para prestação de serviços de telecomunicações para Serviço de Comunicação Multimídia e Serviço Limitado Privado que empregam exclusivamente meios confinados e equipamentos de radiocomunicação de radiação restrita. Ela pode ser considerada uma novidade hoje, mas deve passar por um mecanismo de revisão de sua aplicação e ajustes necessários para o 5G. Outro aspecto problemático diz respeito à interface entre leis de proteção de dados pessoais e sua forma ainda analógica de ver o mundo. A LGPD e muitos agentes operando a lei no Brasil nasceram e foram educados em racionalidade não digital, sem observar as sutilezas do que é invisível, o que percorre milhares de quilômetros, como a realidade sem fio, por espectros e frequências. A rede de dispositivos que integra a Internet das Coisas, por exemplo, lida com coleta, transmissão e compartilhamento de dados, muitos deles pessoais, de forma a realizar suas tarefas (como uma colheitadeira ou um carro autônomo). Esses novos dispositivos irão coletar e armazenar quantidades massivas de dados de seus usuários. Qual a medida de legalidade e proporcionalidade sobre o processamento desses dados? Quais as medidas para enfrentar e remediar abusos contra os direitos fundamentais em questão e de proteção e responsabilização contra ataques cibernéticos multiterritoriais e multifrequenciais? Tudo será prioritário.
A oportunidade é a maior aliada do tempo e espaço, permitindo que as políticas digitais e conectividade possam ser aperfeiçoadas, arrastando consigo a destinação das tecnologias de 5G para bem-estar social, acesso à informação e desenvolvimento digital sustentável. A maior mensagem a ser passada para o Executivo brasileiro, aos gestores e especialistas em políticas públicas é o dever de pensar o presente da internet e como a economia digital será beneficiada com a ampliação da geração 5G.
Fabricio Bertini Pasquot Polido, advogado, é doutor em Direito Internacional, foi pesquisador visitante do Instituto Max Planck de Direito Internacional Privado e Comparado (Hamburgo), da Universidade de Kent (Reino Unido) e da Universität-Humdoldt zu Berlin, e é professor associado de Direito Internacional, Direito Comparado e Novas Tecnologias da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).