O sistema tributário brasileiro talvez tenha alcançado o ápice de seu vexatório anacronismo e um patamar sem precedentes de complexidade, que por sua vez comprometem irremediavelmente os níveis de compliance e transparência, ao tempo em que contribuem para recordes de processos contenciosos tributários e dos níveis de insegurança jurídica. Estima-se que o ordenamento jurídico nacional contemple milhares de dispositivos legais de conteúdo tributário, impondo, em especial às empresas, o gigantesco desafio de se inserir em uma verdadeira teia de normas jurídicas, por vezes paradoxais e quase sempre ambíguas.
No que diz respeito especificamente à tributação sobre o consumo, o sistema tributário brasileiro prevê cinco impostos – IPI, ICMS, ISS, PIS e Cofins – incidentes sobre diferentes bases imponíveis, e cuja competência de instituição, regulamentação e arrecadação se distribui entre os diversos entes federativos. Coube aos estados tributar a circulação de mercadorias e determinados serviços; à União, tributar produtos industrializados e faturamento; e aos municípios, tributar a prestação de serviços de outras naturezas.
No Brasil não basta querer pagar impostos; é preciso, antes de tudo, conseguir fazê-lo
Considerando que o país tem proporções continentais, que abrigam 26 estados federados, Distrito Federal e quase 6 mil municípios, é de se antever os níveis de complexidade que fazem do país, hoje, os local do mundo onde se gasta o maior número de horas para o cumprimento de obrigações tributárias principais e acessórias. Costuma-se dizer, inclusive, que no Brasil não basta querer pagar impostos; é preciso, antes de tudo, conseguir fazê-lo. Para além da vasta normatização a ser cumprida, interfaces entre bases de incidência geram particular incremento de litígios, associados ao conflito de competências e à bitributação.
O cenário geopolítico heterogêneo contribui, ainda, para um desenvolvimento disforme de áreas de produção e consumo, exigindo dos entes políticos o uso de incentivos que, a despeito de visarem ao crescimento, fomentam a nocividade do ambiente de negócios contaminado pelas guerras fiscais, impedindo a desejável neutralidade dos impostos, e impondo à renúncia de importantes receitas tributárias.
A tributação incidente sobre o consumo no Brasil apresenta um lamentável diagnóstico de complexidade, cumulatividade, concessão de benefícios fiscais impróprios, manipulação de alíquotas e alto nível de litígio fiscal, que deterioram o ambiente negocial e operam em completo desfavor da competitividade do empreendedor nacional, para além de prejudicar a percepção social da relevância do cumprimento de obrigações fiscais e das cargas tributárias efetivas, incidentes nas relações de aquisição de bens e serviços.
Se por um lado uma reforma tributária ampla, edificada sobre pilares sólidos de eficiência, transparência, simplicidade e neutralidade, ganha projeção de efetivo clamor social, de outro, a demanda enfrenta dificuldades estruturais profundas para seu avanço, porquanto pressupõe o necessário debate sobre temas tão fundamentais quanto sensíveis, tais como alterações de competência tributária, repartição de receitas e conflitos federativos.
- As reformas tributárias estão na mesa (editorial de 18 de agosto de 2019)
- A nova CPMF seria bem-vinda (artigo de Marco Aurélio Pitta, publicado em 12 de setembro de 2019)
- A PEC da simplificação tributária e o monstro de cinco cabeças (artigo de Demetrius Nichele Macei, publicado em 9 de setembro de 2019)
Justamente nesse contexto, o IVA – cujo conceito remete a um imposto incidente sobre o valor agregado, que tributa, portanto, a margem de valor acrescido em cada etapa da cadeia produtiva, e tem por características essenciais ser plurifásico e não cumulativo – corresponde à técnica de arrecadação sobre o consumo que melhor atende às necessidades brasileiras atuais de unificar a tributação sobre o consumo, simplificando o cumprimento das obrigações principais e acessórias, ao tempo em que permite, especialmente na modalidade dual, a preservação de competências institucionais e a transparência na repartição de receitas.
No que tange a favorecer a adaptabilidade, por contribuintes, administrações tributárias e entes políticos, otimizando períodos de transição, bem como as atuais estruturas de fiscalização, o IVA se mostra mais conforme a realidade brasileira do que as modalidades de arrecadação do tipo sales tax ou direta sobre a produção, ambas de caráter monofásico e incidentes, respectivamente, sobre as operações de varejo e produção industrial, fato que opera, ainda, por uma distribuição da carga tributária ao longo de um lapso temporal mais dilatado, correspondente à íntegra do caminho percorrido da produção ao consumo.
Resta a convicção de que, se o IVA não representa a perfeita redenção do atual cenário da tributação no Brasil, processo que certamente demandará um período de transição, conformação e reequilíbrio do próprio pacto federativo, determina um relevante e valioso passo na direção dessa conquista, oportunizando a construção de um sistema mais simples, transparente e justo, com o objetivo predominante de uma legislação nacional da tributação sobre o consumo; suficientemente uniforme, para garantir segurança jurídica, diminuição de litígios e melhora do ambiente concorrencial, e eficiente do ponto de vista arrecadatório, com vistas a preservar o ingresso de recursos tributários para o financiamento das políticas públicas, sobretudo as de finalidade social.
Rodrigo Spada é especialista em Economia, Finanças e Marketing, presidente da Associação dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo (Afresp) e vice-presidente da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite).