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Ditador chinês, Xi Jinping, e presidente americano, Joe Biden, no encontro do G20, em 14 de novembro de 2022.
Ditador chinês, Xi Jinping, e presidente americano, Joe Biden, no encontro do G20, em 14 de novembro de 2022.| Foto: EFE/ Xinhua /li Xueren

Além dos Estados Unidos, o país sobre o qual mais ouvimos informações, sejam elas boas ou más, é a China. Todavia, muitos perguntam qual o porquê de precisarmos tanto dela. Talvez fosse melhor perguntar por que nos tornamos tão dependentes da China.

Em primeiro lugar, existe um conjunto de informações ainda da década de 1970 e talvez tenha havido uma aposta errada quando o ex-presidente americano Richard Nixon acreditava que a reintrodução da China no sistema internacional de comércio, e por tabela dentro do capitalismo de mercado, faria com que ela, a China, se transformasse, mesmo que em lentos passos, em uma democracia. Nenhum presidente americano e quaisquer formulador de política externa imaginava que a China criaria um sistema capitalista dentro de um governo ditatorial no qual existisse clara maquiagem de socialismo. Na prática, é a prisão do capitalismo pelo Estado e para o Estado, mas também uma atitude consciente focada no lucro.

Na prática, a China se tornou tão indispensável a praticamente todas as nações do planeta que realizar um boicote seria extremamente difícil.

Por tal motivo, a China pós-Deng Xiaoping evoluiu rapidamente em pouco mais de 40 anos. Em uma nação agrícola, ela aprendeu com os japoneses como criar indústrias com elevada capacidade produtiva. Essa mesma China, com os americanos, desenvolveu um sistema de tecnologia próprio e, com os Europeus, compreendeu um modelo de desenvolvimento do mercado interno e de sua plataforma exportadora.

Apesar de a China ter progredido de um PIB de 115 bilhões de dólares, em 1980, para um PIB de 17,7 trilhões de dólares, em 2021, e de fato ter se tornado a segunda maior economia do planeta, isso não tornou a China uma nação avançada em direitos sociais. A situação dos direitos humanos na China continuou a se deteriorar ano a ano. Advogados e ativistas de direitos humanos acusaram-na de assédio e intimidação com julgamentos injustos, com detenções arbitrárias e prolongadas, com torturas e com outros maus tratos causados sobre sua população simplesmente por exigirem e exercerem seu direito à liberdade de expressão e a outros direitos humanos.

O governo de Pequim avançou nesta visão com Xi Jinping quando continuou uma campanha de doutrinação política, detenção arbitrária em massa e assimilação cultural forçada contra os muçulmanos que vivem em Xinjiang. Milhares de crianças uigures foram separadas de seus pais. A Lei de Segurança Nacional de Hong Kong possibilitou violações de direitos humanos sem precedentes desde o estabelecimento da Região Administrativa Especial, acabando de vez com a política intitulada de “Um país, dois sistemas”.

Com todas essas ameaças, podemos indagar: por que a sociedade ocidental não inicia uma campanha de boicotes à China? Dia sim dia não ocorrem ameaças reais de invasão à ilha de Taiwan. Será que as nações ocidentais vão aguardar mais um conflito entre nações para de fato tomarem atitudes? Há uma crítica crível de que os ocidentais demoraram demais para tomar uma atitude contra a Rússia e que talvez a guerra na Ucrânia pudesse ter sido evitada. Recentemente foi denunciado em escala global que a China implantou um conjunto de delegacias clandestinas para perseguir e intimidar chineses que moram no exterior e que possam ser uma possível ameaça ao regime, os chamados subversivos, muitas vezes com o apoio de governos locais.

Na prática, a China se tornou tão indispensável a praticamente todas as nações do planeta que realizar um boicote seria extremamente difícil. Em primeiro lugar, a China é o maior parceiro comercial da grande maioria das nações. O G20, conjunto de nações que representam conjuntamente aproximadamente 80% do PIB mundial, tem dentre seus membros a China como o primeiro ou o segundo maior parceiro comercial; isso sugere que grande parte do superavit comercial dessas nações depende da importação de produtos e serviços da China, como é o caso do Brasil.

Vale ainda ressaltar que a China possui o maior estoque de reservas internacionais de dólares, com cerca de 3,2 trilhões de dólares. Do ponto de vista macroeconômico, a China ainda possui um conjunto de fábricas e uma produção em massa de produtos com preços mais baixos do que boa parte dos países do mundo; ou seja, um boicote aos produtos chineses significaria o aumento de preços em escala mundial, ocasionando um preocupante processo inflacionário global.

A China montou, nos últimos anos, um conjunto de obras de infraestrutura marítima, aérea e terrestre que interligam grande parte do continente asiático, de modo que um boicote a essa estrutura impactaria todos os países da região, comprometendo diretamente nações como a Índia, o Japão e as Coreias. Quando analisamos especificamente sob a ótica do investimento direto estrangeiro, os maiores emissores são os Estados Unidos, mas a China vem logo em segundo lugar, principalmente na América Latina e na Europa. Será mesmo que essas nações estariam dispostas a não receber mais tais fluxos de investimento? Só em 2021 o volume de IDE oriundo da China foi 2,3 trilhões de dólares.

É importante lembrarmo-nos de que a China tem a maior população de classe média do mundo desde 2015, e essa classe média cresceu para uma quantidade de 400 milhões até 2018 e deverá atingir 1,2 bilhão até 2027. Esse mercado consumidor não é possível ser descartado por nenhuma nação do planeta. Apesar desse peso econômico, a política Zero Covid colocou em xeque a segurança da China para prover peças e equipamentos de maneira contínua, o que hoje força as empresas internacionais a adotar uma nova estratégia conhecida como China + 1 Policy; ou seja, as empresas continuam na China, mas se ocorrer uma nova pandemia ou problemas geopolíticos,  outras nações como o Vietnã e a Índia podem suprir as necessidades parcialmente durante o fechamento temporário chinês. Empresas como a Apple e a Samsung já contrataram fornecedores de fábricas indianas e vietnamitas.

Nações não têm amigos, elas têm interesses econômicos, e esses interesses econômicos estão cada vez mais no centro das necessidades das nações. Por isso, seja para o Brasil ou para os Estados Unidos, ou para membros da União Europeia, a China não é um parceiro fácil de retaliar impondo sanções. Uma nação que iniciar um processo dessa natureza sofrerá em curto prazo danos contra si. Quando se analisa o bem-estar de uma população, infelizmente cada líder está preocupado, principalmente, com sua população. Nações democráticas podem protestar em órgãos internacionais, denunciar abusos atribuídos à China na mídia e até mesmo criar frentes e projetos para de alguma forma defender as minorias, mas existe uma ‘linha vermelha’ que as impede de realizar ações que venham afetar radicalmente o bem-estar de sua própria população.

Igor Macedo de Lucena é economista e empresário, doutor em Relações Internacionais na Universidade de Lisboa e membro da Associação Portuguesa de Ciência Política.

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