Nas últimas semanas o Banco Central do Brasil vem realizando compras significativas de dólares no mercado de câmbio com objetivo de conter o processo de valorização do real e impedir que a barreira psicológica de dois reais por dólar seja quebrada. Quais os elementos que explicam esta valorização de nossa moeda?
Em primeiro lugar, há que se destacar a excepcional conjuntura econômica internacional. O intenso ritmo de crescimento da economia norte-americana e da Ásia, com destaque para a China, tem garantido a manutenção de patamares elevados de demanda por insumos básicos, o que tem elevado o preço das commodities em nível internacional.
Em grande medida, nosso superávit comercial fonte importante de dólares que pressionam pela valorização do real é o resultado deste processo de expansão da economia mundial e do ciclo de valorização dos insumos em nível internacional.
A melhoria nos indicadores macroeconômicos é outro fator que tem contribuído para a entrada de dólares no país, particularmente para a entrada de investimentos diretos externos (IDEs). Março deste ano registrou um recorde histórico da entrada destes investimentos. Apenas neste mês entraram no país US$ 2,8 bilhões, melhor marca já registrada para um mês desde que o Banco Central passou a registrar sistematicamente a entrada destes investimentos.
A taxa de juros, a maior taxa básica real do mundo, é outro fator de pressão sobre o mercado de câmbio. Ao manter o diferencial de juros elevados, o Banco Central atrai investimentos de curto prazo, pressionando ainda mais o mercado de câmbio.
Em suma, a combinação de superávits comerciais com a entrada de capitais de curto e longo prazo tem promovido uma ampliação da oferta de dólares no mercado cambial brasileiro, o que tem contribuído de forma decisiva para a queda do valor da moeda norte-americana.
Estes elementos, embora relevantes, não esgotam a questão. É fundamental lembrar que a desvalorização da moeda norte-americana não é um fenômeno local. Pelo contrário, há uma tendência mundial de desvalorização do dólar.
Os Estados Unidos têm sistematicamente registrado desequilíbrios em sua balança comercial, em seu saldo em transações correntes e em seu resultado global do balanço de pagamentos. Este desequilíbrio, no entanto, não se constitui, ao menos por enquanto, num problema para a economia dos Estados Unidos.
Os norte-americanos imprimem o padrão monetário internacional. Não podemos esquecer que a maior parte das reservas dos Bancos Centrais de todo o mundo é formada por dólares. Isto permite que eles paguem por este excesso de gasto com a moeda por eles impressa.
A ampliação da liquidez internacional em dólares é o efeito colateral deste excesso de gastos. Ao inundar o mundo com dólares, os norte-americanos contribuem de forma decisiva para o processo de desvalorização de sua moeda.
A valorização do real, assim como de outras moedas, decorre, portanto, de um desequilíbrio estrutural do balanço de pagamentos norte-americano ou, como disse o brilhante economista Barry Eichengreen, decorre do fato de os norte-americanos "viverem além de seus meios".
Os que defendem que a atual taxa de câmbio brasileira é uma taxa de equilíbrio de mercado esquecem o papel do desequilíbrio estrutural do balanço de pagamentos norte-americano em sua determinação. Felizmente para nós, brasileiros, as últimas intervenções do Banco Central do Brasil no mercado de câmbio sugerem que os "apóstolos" do liberalismo aqueles que acreditam que a taxa de câmbio deve ser determinada exclusivamente pelas forças de mercado estão perdendo espaço no debate.
Marcelo Curado é chefe do Departamento de Economia da UFPR e doutor em Economia pela Unicamp.
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