Embora medida encontradiça em muitos países, a cobrança de pedágio nas estradas brasileiras, desde sua implantação, constituiu-se em fonte de controvérsias e de azedo debate que agora se reacende com o verdadeiro "jogo-de-empurra" que se trava entre o governo federal e alguns governos estaduais, inclusive o do Paraná. Mas ninguém se lembra ou fala dos motivos pelos quais surgiu a necessidade imperiosa de onerar os usuários de nossas precárias rodovias com uma contribuição pelo seu uso melhorado e controlado e há muita gente esquecida de quem são os verdadeiros "pais" do pedágio que hoje se cobra em algumas rodovias brasileiras. Vale repetir, para relembrar.
Escrevi há tempos que construir e consertar rodovias, bem como construir usinas hidrelétricas, é, basicamente, uma questão de ter ou não ter dinheiro para investir nessas atividades fundamentais para o desenvolvimento de qualquer país. Quando se pensou em um Plano Rodoviário Nacional, surgiu a inarredável necessidade de financiá-lo. Quando o progresso industrial do país passou a exigir cada vez mais energia elétrica e o sistema então existente quase todo apoiado no capital privado entrou em falência, pelo desinteresse das concessionárias estrangeiras em investir em um setor fundamente afetado pela xenofobia de um nacionalismo vesgo, foi imperioso pensar-se em alguma forma de obter recursos para substituir o capital fujão. E, em ambos os casos, escolheu-se a via fiscal através dos chamados impostos únicos, sobre energia elétrica e sobre combustíveis, lubrificantes e minerais. Era um processo simples e fácil, pois todo consumidor desses importantes insumos, ao comprá-los, recolhia automaticamente uma pequenina contribuição incluída no preço e destinada àqueles investimentos. Reunidos, eram importantes e substanciosos tributos federais; no caso dos combustíveis e lubrificantes, 40% do montante era repassado para estados e municípios.
Quando o descompasso econômico e a abulia política entregaram o governo nas mãos incompetentes do sr. José Sarney e da Nova República, o revanchismo supostamente salvador tomou a forma de uma Assembléia Nacional Constituinte. Nessa hora, o PMDB paulista imaginou um meio de beneficiar São Paulo com uma disfarçada reforma tributária escondida na Constituição. Um conluio do dr. Ulisses, dos então senadores Fernando Henrique Cardoso e Mário Covas e do deputado José Serra presidente da Comissão de Tributação , extinguiu os impostos únicos acima citados, transformando-os em parcela do ICMS, a ser cobrado pelos estados nos locais de consumo. Parece que ninguém percebeu o alcance e os prejuízos para o país, da manobra, e que essa medida consagrava uma enorme "tunga" nos outros estados; muito menos a bancada paranaense que não se deu conta de que a farta energia elétrica produzida aqui iria beneficiar a Paulicéia e os gastos e as traficâncias do sr. Orestes Quércia e do seu sucessor. Onde estavam então alguns dos que hoje se queixam do pedágio?
Quando os resultados da asneira começaram a aparecer, sugiram as "pajelanças" em que foram pródigos os economo-alquimistas do sempre lembrado "MDB velho de guerra", com o IPVA, o selo de pára-brisas, o empréstimo compulsório que até hoje vem sendo arrancado "a fórceps" por via judicial. No governo FHC, uma lei ordinária restabelecendo a cobrança, logo foi derrubada por inconstitucional, visto que a mudança fora incluída, pelos "aprendizes de feiticeiro", no texto da nova Carta. O último remendo foi a tal Cide, motivo da "pegadinha" com que o esperto candidato Garotinho, na tevê, em rede nacional e em cores, embaraçou o nosso atual presidente.
A quase completa destruição de nossa rede rodoviária foi o resultado visível e o recurso para recuperá-la e melhorá-la foi a privatização e a cobrança de pedágio de seus usuários diretos. No entanto, essa solução só parcialmente foi adotada, pois os adversários do pedágio, com sofismas e falácias, conseguiram evitá-la em muitos casos e hoje a televisão nos mostra, com escândalo, o lastimável estado de nossas rodovias não pedagiadas, um dos mais importantes fatores negativos do chamado "custo Brasil", cada vez mais elevado e cuja prometida recuperação, cada vez mais onerosa, será paga pelos contribuintes brasileiros, muitos dos quais não as usam. Com o risco de que a açodada operação "tapa-buracos" seja uma fonte de corrupção e desperdício e um enorme engodo de tempos de eleição.
Raymundo Negrão Torres é acadêmico e pertence ao Centro de Letras e ao nstituto Histórico e Geográfico do Paraná. É autor do livro Nos caminhos da História.
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