Os legislativos municipal e estadual, curitibano e paranaense, tomaram, nos últimos dias, posição em relação ao fumo em locais públicos, no sentido de acesso ao público. Com isso, uma certa angústia deve ter atingido aqueles que ainda conservam uma memória dos períodos ditatoriais. Algo como: "de que mais serei proibido?". Ou, um retorno ao terror da possibilidade do "grande olho" a nos vigiar vinte e quatro horas por dia. Não há como não reconhecer que esse temor merece ser ponderado. Logo, a questão principal está na tentativa de descobrir por que é necessário proibir.
Na semana que passou, realizou-se um debate sobre o tema, num programa da tevê a cabo. Nele, os três conviados, o diretor de um importante hospital, um sociólogo e um psicólogo, foram unânimes no reconhecimento dos malefícios causados pelo fumo e da adequação da separação entre áreas de fumantes e não fumantes. Porém, foram também unânimes em concluir que a vedação absoluta traz consigo um quê de perigo, considerando-se as liberdades individuais.
Por que probir? Também da experimentação corriqueira, o comportamente de alguns seres humanos frente às normas de convivência merece ser ponderado. Numa universidade, num grande saguão em que há cartezes colados a cada metro no sentido de proibir o fumo, vi recentemente duas moças comendo batatas fritas; uma delas fumando e jogando as cinzas no chão (tudo isso às 9h da manhã). Foi necessário que uma outra pessoa passasse pelas duas e dissesse, não sem um grande esforço para manter um tom de voz delicado, que naquele local é proibido fumar.
E, é proibido fumar por quê? Porque a saúde pública investe milhões de reais para combater os malefícios individuais que o fumo causa. Porque os efeitos do fumo extrapolam o universo do fumante (o psicólogo do debate deixou bastante claro que se deve respeitar a existência de vários padrões de felicidade e de escolha, e que alguém pode muito bem aceitar os malefícios do fumo e nele se manter porque os seres humanos são comandados pela lei do desejo) e podem causar danos e desconforto a quem fez desde cedo a opção pelo não fumar. Porque o fumo, mas precisamente o hábito de interromper a prática de atividades produtivas, repercute nos itens de produtividade. E por muitas outras razões. Por todas elas a tendência atual parece se confirmar no sentido da restrição total ao fumo nos ambientes públicos.
Não seria mais condizente com o princípio da liberdade que fossem autorizados os conhecidos "fumódromos"? Não seria uma forma de liberar os que querem fazer uso do cigarro, sem descurar dos que preferem estar longe do cheiro e fumaça além da sujeira do cigarro? Logo, a pergunta retorna, por que proibir?
Pensar a razão para a interferência do poder público no que seria uma decisão meramente individual projeta-se em outros fatores. Por que precisamos de leis? Por que a autodeterminação e o bom-senso não são suficientes para os seres humanos, supostamente dotados de inteligência? Talvez porque o cidadão não fuma no elevador, mas faz questão de uma última baforada, segurando a porta do elevador com o pé, deixando aquela última respiração contaminada para ser expelida dentro do elevador. O mesmo em relação ao motorista, um segundo antes do passageiro entrar no carro. Mesmo nos lugares reservados surgem pelo menos dois desconfortos: primeiramente, nunca há janelas o suficiente ou sistema de saída de ar que afaste por completo a contaminação do ambiente; em segundo lugar, porque, como os fumantes costumam ficar e gastar mais nos bares e restaurantes, sempre tem mais mesas para eles do que para os não fumantes, e isto nos deixa irados!
Motivos há para que tudo se encaminhe no sentido da proibição total ao fumo nos locais públicos fechados. Também há razões para se temer que as restrições sejam cada vez mais frequentes e variadas, sufocando a liberdade, além da constatação de que a ausência de fiscalização poderá condenar a lei ao vazio. Por que proibir, então? Por que não há como editar uma lei determinando a todos que ajam com bom-senso.
Marcia Carla Pereira Ribeiro, doutora em Direito, é professora da UFPR e PUCPR, procuradora do estado e advogada.