A instalação da Zona Especial Portuária (ZEP), assim denominada no Plano Diretor de Pontal do Paraná, no Litoral do estado, compreende um complexo industrial portuário que abrange a readequação do estaleiro e do cais pela Odebrecht, a construção de um terminal multifuncional pela Melport, e do terminal portuário pela Porto Pontal Paraná Importação e Exportação. Esses empreendimentos ainda estão em processo de licenciamento ambiental. Existe, ainda, a possibilidade de instalação na região da Subsea 7 e de uma termelétrica. Além disso, vale lembrar, já há por lá a plataforma da Techint.
A intenção de instalação de mais um porto no Litoral vem correndo com pressa descabida por parte dos interessados e envolta em práticas absolutamente questionáveis. Para ele ser feito, segundo o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), seria necessária a construção de uma infraestrutura de acesso para atendê-lo. O problema é que, para atender a essa demanda privada, o governo do Paraná, especialmente durante a gestão Beto Richa, assumiu a responsabilidade pela construção do complexo, denominado “Faixa de Infraestrutura”. Para isso, recursos públicos estaduais seriam utilizados para benefício do interesse privado. A Faixa é uma condição imposta pelo investidor interessado na construção do porto: o empresário João Carlos Ribeiro e a empresa Balneária Pontal do Sul. Seriam R$ 369 milhões dos cofres públicos investidos apenas na primeira fase das obras. Contudo, sua efetivação resultaria em significativos impactos nas florestas da planície costeira do Paraná, sem contar os incontáveis prejuízos sociais, culturais, econômicos e para a saúde que a chegada do complexo imporia ao local.
Em termos gerais, a construção da Faixa de Infraestrutura resultaria na supressão de milhões de metros quadrados de remanescentes de Mata Atlântica em estágio avançado de conservação. Este bioma está ameaçado de extinção. Além desse impacto mais visível e imediato, a construção e a operação da Faixa causariam outros problemas, como elevação do nível de ruído, luminosidade, vento, poluição do ar, acidentes de trânsito e congestionamentos na região. Os problemas são reconhecidos pelos próprios Estudos e Relatórios de Impacto Ambiental da Faixa e do porto. Esse novo cenário reduziria drasticamente a atratividade natural do Litoral para o turismo e seu potencial como área de descanso, além de afetar irreparavelmente o turismo na Ilha do Mel, uma estação ecológica declarada como Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco. O porto seria feito a menos de três quilômetros da ilha.
O parecer técnico da Universidade Federal do Paraná (UFPR) enviado ao Conselho do Litoral (Colit) para subsidiar as discussões do Plano Diretor de Pontal do Paraná e análise do Zoneamento Ecológico Econômico do Paraná estima que a Zona Especial Portuária some uma área total de mais de 16 milhões de m². Desse total, apenas 260 mil m² estão em uso agropecuário e urbano. O restante ainda é floresta. São, portanto, quase 16 milhões de m² de floresta em estágio avançado de conservação que agora estão em perigo. O Plano Diretor prevê que, no máximo, a metade da ZEP possa ser suprimida para dar lugar aos empreendimentos, algo em trono de 8 milhões de m². Mas, infelizmente, não restam dúvidas de que a biodiversidade em todos os 16 milhões de m² da ZEP, até mesmo além dessa área, sofrerá com os impactos negativos da instalação das indústrias no local. Em função da estreita relação entre a qualidade ambiental e o bem-estar humano, não restam dúvidas de que haverá uma perda na qualidade de vida na região de Pontal do Paraná se as obras se concretizarem.
Para fechar a parte matemática dos custos do crescimento do PIB em Pontal do Paraná, somando os 16 milhões de m² da ZEP e os 9,7 milhões de m² da Faixa de Infraestrutura – mesmo sem considerar os pequenos desmatamentos que já ocorrem na região, especialmente para construções residências e comerciais –, a área afetada pode alcançar quase 27 milhões de m² de florestas suprimidas e alteradas.
Em um bioma que tem menos de 7% de sua cobertura original, essa supressão de remanescentes com alto grau de conservação resultaria em perdas significativas na qualidade ambiental da região, o que pode comprometer a provisão de elementos básicos para o bem-estar humano, condenar a atratividade ao turismo, o provimento de água e o controle de doenças causadas por insetos ou relacionadas à falta de saneamento básico, por exemplo. Todos esses impactos negativos à Mata Atlântica ocorreriam justamente na maior porção de planície do Litoral do Paraná. Eles trariam sérios danos a alguns ecossistemas associados à qualidade do bioma marinho, como manguezais e restinga. Os prejuízos também seriam diretos aos pescadores artesanais e à qualidade do pescado.
Vale a pena condenar a vida das pessoas e a qualidade ambiental de todo o Litoral do Paraná em prol de um “desenvolvimento” absolutamente desordenado? As perdas irreparáveis que seriam impostas a milhares de vidas superariam qualquer mínimo crescimento do PIB? Não há alternativas? Por que o governo não investe em melhorias da infraestrutura e da qualidade dos serviços prestados aos turistas e moradores? Quais os interesses em acelerar a instalação de um parque portuário-industrial em uma área com potencial turístico singular?
Seria importante, e responsável, que o governo do estado, o município de Pontal do Paraná e os interessados na construção desse complexo industrial mostrassem e comprovassem “por a+b” que o aumento do PIB, além de ser melhor distribuído entre os munícipes, também vai ser capaz de recuperar todas as perdas acima mencionadas, em um município que hoje tem um IDH de 0,738, classificado como “alto”.
Por mais que fosse possível, podemos entender como “desenvolvimento” um planejamento onde primeiro se perde qualidade de vida para arrecadar mais, e depois se utiliza o que foi arrecadado para recuperar a qualidade de vida perdida? Não há alternativas de melhoria de vida, IDH, geração de emprego e renda, aumento do PIB, sem antes disso geramos tantos problemas, transtornos e perdas para a sociedade? Esperamos respostas – e bom senso – da atual gestão estadual.
Junior Ruiz Garcia é professor do Departamento de Economia da UFPR, diretor-executivo da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica, membro do Observatório de Conservação Costeira do Paraná. Juliano Dobis é engenheiro agrônomo com especialização em Gestão dos Recursos Naturais e quase uma década de atuação no terceiro setor, com foco em conservação da natureza.
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