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Por que transferência de imóvel para filha foi considerada fraude

STF
Imagem ilustrativa. (Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF)

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Recentemente, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, proferiu decisão na qual a transferência de um imóvel pelo devedor à filha menor de idade foi considerada fraudulenta. No caso, o dono do bem era devedor de serviços prestados. A empresa credora ingressou com ação judicial para a cobrança dos respectivos valores e o magistrado deferiu a penhora sobre o imóvel para garantir a execução. A filha menor do executado opôs embargos de terceiro sob a alegação de que ela o recebera como pagamento de pensão alimentícia. Como a transferência do bem tornou o devedor insolvente, este ato de disposição foi reconhecido como fraude à execução.

A Súmula 375 do STJ dispõe que “o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”. Segundo o entendimento da Corte, portanto, a prévia averbação da penhora do bem ou prévia averbação da pendência da execução no registro de imóveis ou de veículos gera a presunção absoluta de conhecimento a terceiros e, por conseguinte, da fraude à execução na ocasião em que o bem é alienado ou onerado após esse registro.

A fraude à execução, uma vez reconhecida por decisão judicial, conduz à ineficácia da alienação ou da oneração do bem em relação ao credor.

De modo que, se o credor não promove a anotação, isso não obsta o reconhecimento da fraude à execução, mas nesse caso incumbirá ao credor provar a má-fé do terceiro adquirente, no sentido de que este conhecia a demanda judicial existente contra o devedor capaz de levá-lo à insolvência.

A recente decisão do STJ, entretanto, excepcionalmente afastou os pressupostos elencados na súmula, quando, ainda que ausente o registro da penhora ou da pendência da ação ou de execução no momento da alienação do bem, o devedor tenta “blindar” o seu patrimônio mediante transferência ao seu descendente, sobretudo menor.

Nessa circunstância, embora inexista prévia averbação no registro do imóvel ou do veículo, não é exigível ao credor a prova da má-fé do descendente ou do seu conhecimento acerca da penhora ou da existência da execução, uma vez que a transferência da propriedade do bem a membros da família evidencia a má-fé do devedor que pretende livrá-lo da constrição judicial e, por conseguinte, fraudar a execução.

Embora a decisão do Superior Tribunal de Justiça traga uma interpretação que facilite o reconhecimento da fraude à execução e favoreça os interesses dos credores, o entendimento é excepcional e situações análogas deverão ser analisadas segundo as circunstâncias de cada caso concreto.

Tendo em vista que a decisão é desprovida de efeito erga omnes, ou seja, não é aplicável indistintamente a todos, medidas não podem ser desconsideradas pelos credores, a fim de resguardar a sua pretensão e ampliar as oportunidades de adimplemento da obrigação, em consonância com a orientação já consolidada do Superior Tribunal de Justiça.

Assim, uma vez ajuizado o processo de execução ou iniciada a fase de cumprimento da sentença condenatória em face do devedor, ao credor é cabível obter junto à serventia judicial certidão de que a execução foi admitida e providenciar a averbação da existência da ação no registro de imóveis, de veículos e de outros bens passíveis de penhora.

Logrando êxito na penhora de bens no curso da execução, igualmente é cabível a imediata averbação no registro do imóvel ou do veículo, seja para conferir publicidade do ato a terceiros, seja para assegurar a preferência na constrição do bem em relação a eventuais outros credores.

Quando é o caso do ajuizamento de ação de conhecimento – hipótese em que ainda não há sentença condenatória em face do devedor e não é possível promover atos de indisponibilidade de bens –, ao credor é conferida a faculdade de ingressar com o pedido de arrolamento de bens. Trata-se de medida judicial meramente declaratória e sem caráter constritivo, a qual documenta a existência de bens do devedor aptos e hábeis a garantir o adimplemento de futura pretensão indenizatória sem a prática de atos de apreensão e que tem por objetivo cientificar terceiros sobre a existência da medida judicial em curso, o que poderá antecipar e ampliar as chances de êxito da execução.

Em suma, a decisão do STJ considerou que a ausência de anotação da penhora ou da execução no registro do bem ou a inexistência de prova de má-fé do terceiro adquirente não impede o reconhecimento de fraude à execução quando o devedor transfere o bem ao descendente, sobretudo menor.

A fraude à execução, uma vez reconhecida por decisão judicial, conduz à ineficácia da alienação ou da oneração do bem em relação ao credor. Na prática, é como se o ato de disposição do bem não existisse, a permitir a sua constrição para pagamento do crédito.

Não obstante o entendimento da Corte Superior seja relevante para conter atos de disposição de patrimônio dos devedores em favor de seus descendentes, a prévia averbação da existência da ação e/ou de eventual penhora sobre o bem ainda constitui medida oportuna para garantir maior efetividade à execução e à satisfação do crédito. E isso protege os credores de discussões acerca da validade da penhora sobre bens do devedor que eventualmente são alienados a terceiros no curso da demanda.

Camilla Miyuki Oshima é advogada do Departamento de Contencioso e Arbitragem da Andersen Ballão Advocacia.

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