Não exatamente por um óculo, mas por um mirante, o que vem a dar no mesmo. Pois foi exatamente por um mirante que os ousados membros da CPI do Apagão Aéreo da Câmara, com ampla maioria governista, iniciaram as profundas investigações para levantar as causas da bagunça nos aeroportos que infernizou a vida de milhares de usuários de aviões e do desastre, em setembro do ano passado, do Boeing da Gol no choque com o Legacy, com 154 vítimas.
As autoridades da Aeronáutica deram aos deputados da CPI do Apagão o tratamento merecido, com o toque de gozação que tempera a comédia. Com os salamaleques e as cortesias devidos a tão ilustres representantes do povo ou do 1,1% do índice de confiança da última pesquisa , a turma foi recepcionada no Centro Integrado de Defesa Aérea, o Cindacta I, em Brasília. Para começo de conversa, o comandante da Força, brigadeiro Junit Saito, de comprovada energia e liderança, conduziu os deputados a uma sala para a assistir a série de palestras sobre a segurança do sistema de controle aéreo e que habilmente levaram às justas reclamações sobre o mesquinho contingenciamento de verbas, que deixa o órgão a pão e água.
O brigadeiro Saito pegou a palavra no ar para saudar os visitantes, frisando a oportunidade perfeita para que conhecessem "as excepcionais condições de trabalho oferecidas aos controladores".
Já por aí a investigação fora esvaziada pelos furos em todos os gomos do balão. A limitação à fúria investigativa da dúzia de deputados com maioria situacionista foi aplacada por explicações técnicas que soaram como pedidos de desculpas. Os jornalistas que acompanharam suas excelências não puderam conversar com os controladores de voto "por uma questão de segurança", o amplo lençol que cobre na mesma improvisada cabana parlamentares e repórteres. Ao longe, através da vitrina, viram os controladores em plena atividade.
Ninguém passou recibo no fiasco. Mas não foi fácil inventar justificativas. O relator da CPI, deputado Marco Maia, do PT naturalmente, saiu-se com este disparate: "Gostei principalmente da área de lazer dos controladores". Para dissipar suspeita, o relator petista decidiu restringir as investigações ao recreio dos controladores.
Um deputado não identificado pelos jornalistas resumiu a sua impressão da visita na imagem esfuziante: "foi um espetáculo de som e luzes". Inspirado, emendou na comparação das explicações do comando aéreo com "uma lavagem cerebral da Força para tentar garantir que tem controle do espaço aéreo".
Levadas ao pé da letra as louvaminheiras declarações dos deputados da CPI do Apagão, seria lógico que, para não desperdiçar o precioso tempo dos atarefados parlamentares da semana de dois a três dias úteis, dessem por encerradas as investigações com a aprovação pela maioria do judicioso relatório do deputado Marco Maia, o guapo petista gaúcho.
A Comissão Parlamentar de Inquérito é fundamentalmente um instrumento da oposição para investigar denúncias de irregularidades do governo. Claro que não se pode passar por cima das normas que regem as CPIs, como a proporcionalidade na sua composição com o número de parlamentares das respectivas bancadas partidárias.
O governo cuida da sua defesa nos limites da compostura, facilitando a apuração de desvios, sem abafar a oposição.
Acontece que a CPI do Apagão Aéreo foi atropelada pelo esforço oficial para abortá-la no nascedouro. Diante do fato consumado, a máquina oficial funcionou com presteza, escolhendo os seus representantes no balaio dos absolutamente confiáveis, muitos marinheiros de primeira viagem, sem qualquer experiência do jogo parlamentar.
Dela não se pode esperar mais do que a projetada viagem de uma delegação aos Estados Unidos para ouvir os pilotos do Legacy. Naturalmente com passagens de primeira classe, diárias em dólares e tempo para uma visita as lojas de luxo.
Afinal, ninguém é de ferro.
Villas-Bôas Corrêa é analista político.