| Foto: Felipe Lima

O plano sobre política de drogas apresentado pelo governo de Jair Bolsonaro insiste em uma lógica que não somente tem produzido péssimos resultados, como também tem reproduzido muito sofrimento, pois o julgamento moral que incide sobre alguém que usa uma substância estigmatizada pode gerar problemas mais graves do que o próprio uso dessas drogas em si.

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Se deixarmos de lado questões subjetivas e de cunho moral e buscarmos fundamentos na ciência, o plano apresentado não encontra respaldo. Não é à toa que o governo impediu a divulgação do mais importante estudo já feito sobre o consumo de drogas no Brasil, que levou três anos para ser realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), com 16 mil entrevistas, envolvendo 500 pesquisadores. Por que o governo resolveu engavetar o estudo? Porque seu resultado desfaz o discurso de pânico e terror que sustenta todos os principais pilares deste governo.

O “novo” projeto vai na contramão do que há de mais avançado na comunidade científica mundial

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O episódio com a Fiocruz, a demissão do chefe do Inpe e a recente exclusão de toda a sociedade civil da participação que tinha no Conselho Nacional de Política de Drogas são bons indicativos sobre como as políticas públicas têm sido formuladas pela atual gestão do país.

Basicamente, o “novo” projeto consiste em um grande retrocesso e vai na contramão do que há de mais avançado na comunidade científica mundial. A mudança propõe a possibilidade de internação sem consentimento de usuários problemáticos de drogas por um prazo de até três meses, a pedido de um familiar ou servidor da área de saúde ou de assistência social, a fim de desintoxicá-lo. Se este fosse realmente o objetivo, jamais poderia durar tanto tempo. Além disso, é importante reconhecer que a internação involuntária pode ser prescrita em casos extremos, mas é muito preocupante quando banalizada, ainda mais quando se torna base de uma política pública, funcionando mais como uma ação de higienização social.

Outros pontos relevantes da mudança são a inclusão das “comunidades terapêuticas acolhedoras” no Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas e o aumento de pena (de 5 para 15 anos de prisão) para alguns casos envolvendo tráfico de drogas.

A nova proposta do governo insiste em uma guerra que já foi abandonada há muito tempo pelo país onde ela surgiu, os Estados Unidos, justamente a grande referência do atual governo brasileiro. No estado do Colorado, a regulação do mercado de maconha tem causado uma verdadeira revolução. Desde que a primeira loja abriu, em 1.º de janeiro de 2014, já foram vendidos US$ 6 bilhões em cannabis. O estado criou um fundo decorrente da arrecadação com a comercialização de cannabis e destinou US$ 230 milhões ao Departamento de Educação, que usou o dinheiro na construção de escolas, na prevenção ao bullying, em projetos de alfabetização e leitura, e na promoção de ações voltadas ao desenvolvimento de inteligência emocional. California e Massachussetts investirão em comunidades periféricas mais afetadas pela política proibicionista, especialmente na reparação das desigualdades causadas às populações mais vulneráveis (negros e pobres).

Em que acreditaremos: em uma política obscura baseada em mitos, crenças e moralismo, ou em ações que estejam fundamentadas na ciência, nas mais sérias pesquisas já realizadas, na compaixão e empatia pelo sofrimento de outros seres humanos?

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Diogo Busse, advogado e mestre em Direito, é embaixador da Democracy Earth Foundation no Brasil, criou e presidiu a Comissão de Política de Drogas da OAB-PR e foi o responsável pela política de drogas de Curitiba.