Foi com imensa tristeza que o grande público passou a receber as notícias da situação degradante que se encontram os índios Yanomami. Com igual espanto uma quantidade imensa de brasileiros tomou conhecimento da Portaria Conjunta Funai/Sesai de 1º de janeiro de 2023, editada em decorrência da desassistência à população Yanomami, na qual, sem motivo aparente algum, no art. 11º “é terminantemente proibido o exercício de quaisquer atividades religiosas junto aos povos indígenas, bem como o uso de roupas com imagens ou expressões religiosas”
Para aqueles que acompanham o assunto, a realidade daquela região do país não é novidade: a situação de miséria dos indígenas vem sendo denunciada por missionários há muito tempo. Vale recordar a CPI do ano de 2007, já recordada há alguns dias pelo próprio jornal Gazeta do Povo. Se fizermos um apanhado da História do Brasil, vamos encontrar nas páginas de nossos cronistas as mais variadas formas de alertas que os missionários católicos fizeram a esse respeito.
A conclusão que se tira é que o Estado, eximindo-se de suas próprias faltas, atira contra aqueles que há 500 anos se dedicam ao auxílio e apoio dos indígenas.
Mais além disso podemos ler o quanto a Igreja Católica fez e faz pelos povos indígenas. Os mais conhecidos são os Padres Manoel da Nóbrega e São José de Anchieta, este lembrado inclusive por ter feito a primeira gramática tupi-guarani. Contudo, a legião de religiosos que se dedicou incansavelmente pelo bem-estar social, moral e espiritual dos indígenas é impressionante. Não por acaso os jesuítas foram expulsos do nosso território pelo governo em 1759. O que motivava a ação, levada a cabo pelo Marquês de Pombal, não era a preocupação com qualquer bem estar de quem quer que fosse, era puro ódio à Igreja.
A leitura do artigo décimo primeiro da Portaria Conjunta da Funai com a Sesai, órgãos do governo federal brasileiro, proibindo o exercício de quaisquer atividade religiosa junto aos povos indígenas, não pode deixar de evocar a atitude tomada pelo Marquês de Pombal. Não há nenhuma instituição da história brasileira que esteve ao lado dos indígenas como a Igreja Católica: protegendo-os, alimentando-os, instruindo-os, medicando-os, muitas vezes combatendo o próprio Estado que os extorquia, matava e escravizava.
E o auxílio da Igreja não se limitou a um ou outro sacerdote isolado. Já no ano de 1537 o papa Paulo III editou uma bula (Sublimis Dei) em defesa dos povos indígenas e “de todos os povos que vierem mais tarde a serem descobertos” e depois disso foram várias as manifestações da Igreja nesse sentido. Naquele período era comum ver Estados abusando de povos conquistados sem qualquer pudor. A Igreja, que ainda possuía enorme influência no mundo, reafirmou tudo quanto sua doutrina ensina em matéria de caridade, proteção e respeito ao próximo, incluindo os povos indígenas.
Assim, a introdução do artigo 11 é, não somente uma jabuticaba, como se diz no jargão político moderno, no meio de uma Portaria que nada deveria tratar de religião, mas uma injustiça histórica moral que tem fortes paralelos com a expulsão dos jesuítas do território brasileiro.
Não foi a Igreja Católica que colocou aquele sacrificado povo yanomami naquelas condições. Ouso dizer que se não fossem os missionários, a situação estaria bem pior. Penalizando a Igreja, impedindo-a de toda e qualquer atividade religiosa, o Estado brasileiro castiga a Igreja por algo que ela não é responsável. Mas a portaria é redigida de tal modo que se têm a impressão de que sequer foi bem pensada, pois tomada ao pé da letra, nem mesmo os líderes religiosos indígenas poderão praticar os rituais das suas culturas.
A conclusão que se tira é que o Estado, eximindo-se de suas próprias faltas, atira contra aqueles que há 500 anos se dedicam ao auxílio e apoio dos indígenas. O motivo para esse ataque não sabemos, mas sem dúvida é uma intolerância religiosa praticada pelo Estado que atinge não somente os missionários, mas sobretudo os indígenas, que, proibidos de praticar toda e qualquer atividade religiosa, se veem desamparados da própria liberdade.
Miguel da Costa Carvalho Vidigal é advogado e diretor da União dos Juristas Católicos de São Paulo.
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