A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de descriminalizar o porte de até 40 gramas de maconha marca mais um momento controverso na política do país, especialmente em um período em que o conflito entre os poderes é desnecessário. Embora alguns aplaudam a medida como um passo progressista, as consequências dessa interpretação são desastrosas, seja porque a decisão emanou de um poder que não tem a atribuição de legislar, seja porque, talvez, essa não seja a vontade popular.
Com efeito, a decisão do STF tem força normativa equivalente a uma nova legislação e, nesse contexto, na prática, usurpa uma prerrogativa que é, por natureza, do Legislativo. O Congresso Nacional não está omisso nesse debate. Atualmente, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), já aprovada no Senado, está em tramitação na Câmara dos Deputados e pretende criminalizar o porte de drogas. Esse movimento legislativo demonstra a vontade de discutir e deliberar sobre o assunto, de forma democrática e representativa.
Enquanto o STF toma decisões controversas sobre a descriminalização do porte de maconha, muitos pacientes que poderiam se beneficiar do uso medicinal da maconha enfrentam obstáculos significativos
Ao tomar uma decisão dessa magnitude, o STF contribui para gerar efeitos negativos na sociedade e atrair para si um ativismo que não lhe cabe. A prerrogativa de legislar cabe ao Poder Legislativo, e a interferência do Judiciário pode ser vista como uma sobreposição de funções, gerando atritos entre os poderes. Como resposta institucional esperada, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, criou uma comissão para análise da PEC, o que deve acontecer de maneira célere, como a sociedade espera.
Em ano de eleições municipais esse tema ganha relevância. Vamos aguardar a postura dos candidatos ao executivo municipal, que não poderão ficar inertes ao debate. Até que a PEC seja votada na Câmara dos Deputados, os municípios têm um dever de casa crucial para não transformarem as cidades em vilas de maconheiros. Agora é a hora de prefeitos e vereadores se empenharem na aprovação de leis que gerem multas altíssimas para o porte de maconha.
Mas, voltando à decisão da corte constitucional, além da possível quebra da harmonia entre os poderes, necessária para a democracia, a descriminalização envia uma mensagem equivocada à sociedade, especialmente aos jovens, normalizando o uso das drogas e minimizando os riscos associados ao consumo da maconha. Todos sabem que a maconha pode causar dependência e problemas de saúde mental e afetar o desempenho cognitivo. Ao aliviar as penalidades, corremos o risco de aumentar a aceitação social da droga e, consequentemente, o seu uso.
Pode ser um caminho sem volta. Primeiro, permite o porte. Logo em seguida, permite o consumo. A medida também pode complicar o trabalho das forças de segurança. A distinção entre usuários e traficantes torna-se mais nebulosa, facilitando a operação do tráfico sob a alegação de porte pessoal. Essa situação resultará em um aumento na circulação de maconha, dificultando ainda mais os esforços para controlar o tráfico de drogas, e no fortalecimento do narcotráfico e das facções criminosas, que irão se aproveitar da brecha legal para expandir as operações e amedrontar ainda mais a população. O objetivo de aliviar a sobrecarga do Sistema Judiciário pode ser uma abordagem superficial para uma questão complexa, como o entranhamento do narcotráfico no sistema brasileiro. O Brasil caminha a passos largos para virar um narcoestado.
Enquanto o STF toma decisões controversas sobre a descriminalização do porte de maconha, muitos pacientes que poderiam se beneficiar do uso medicinal da maconha enfrentam obstáculos significativos. A legislação sobre o uso de produtos com componentes a base de cannabis para uso medicinal no Brasil é complexa e cheia de barreiras burocráticas, dificultando que muitas pessoas obtenham o tratamento necessário.
Estudos mostram que a maconha medicinal pode representar uma esperança significativa para muitos pacientes com doenças raras, oferecendo novas possibilidades de tratamento e melhoria na qualidade de vida. Pacientes com formas raras e graves de epilepsia, frequentemente não respondem aos medicamentos tradicionais. Relatos clínicos indicam que o canabidiol pode reduzir significativamente a frequência e a intensidade das crises convulsivas nesses pacientes, melhorando sua qualidade de vida.
Em vez de focar em descriminalizar o porte de maconha de maneira ampla e sem consideração cuidadosa, deveríamos concentrar nossos esforços em facilitar o acesso ao uso medicinal da maconha. Isso incluiria simplificar o processo de autorização, reduzir os custos dos medicamentos e promover pesquisas para melhor entender os benefícios e os riscos do uso medicinal da maconha. A sociedade precisa de uma abordagem equilibrada que trate tanto da saúde pública quanto da segurança, garantindo que a descriminalização não acabe por facilitar o tráfico de drogas, enquanto assegura que aqueles que necessitam da cannabis para tratamento médico possam acessar o medicamento de maneira justa e eficiente.
Rosangela Moro é deputada federal pelo União-SP.