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| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Na arena pública, no decorrer do ano passado e deste ano, voltou à pauta, com impressionante força, antigo pleito: a redução da maioridade penal para 16 anos. Embora de tempos em tempos tal pleito volte ao debate, é de se notar que este sempre esteve ligado a grupos minoritários, e nunca no centro do debate, como tem ocorrido. Ademais, posicionamentos contundentes – inclusive propostas de “eliminar” o Estatuto da Criança e do Adolescente – têm também sido trazidos ao centro do debate público como uma das grandes soluções para a redução da criminalidade e da impunidade, ultrapassando, também por tal razão, o horizonte que anteriormente se punha a tais projetos. É necessário, por tal razão, levar este debate a sério, e não descartá-lo de pronto, como os operadores do Direito tem feito com alguma constância, em razão inclusive da implausibilidade, em momentos anteriores, de tirar tais propostas do papel.

A razão para que a proposta de redução da maioridade penal não tenha avançado é simples: embora tenha surgido porque promete uma solução mágica, a golpe de frases de efeito, para problemas complexos, ela não tem a menor sustentação teórica ou prática. Não há nenhum estudo que embase a suposta impunidade de adolescentes que cometem atos infracionais, e os operadores de Direito da área bem sabem que o mito criado não é verdadeiro.

Aliás, ao contrário: pesquisa do Ipea de 2015 indica que, dos 15 mil adolescentes internados no país à época, apenas 3,2 mil (21,3%) teriam cometidos atos infracionais graves que imporiam, a adultos, a privação de liberdade, assim considerados homicídios, latrocínios e estupros. Cerca de 40% dos adolescentes internados o são por terem praticado roubo, com ou sem arma, que, quase sempre, impõe aos adolescentes a privação de liberdade, o que não é verdade quando tratamos de adultos.

É extremamente difícil encontrar, na área jurídica, defensores da redução da maioridade penal

A vivência prática na área indica, ademais, que não é incomum que, pelo mesmo ato, quando consorciados, o adulto consiga ficar em liberdade, enquanto o adolescente permanece encarcerado. Não por outra razão é extremamente difícil encontrar, na área jurídica, defensores da redução da maioridade penal. O próprio Ministério Público, responsável por processar tais adolescentes para a imposição da medida socioeducativa, subscreve com frequência notas contra a redução da maioridade penal, destacando-se aqui a Nota Técnica do Ministério Público Federal 10/2017, com razões diversas de ordem técnica que militam contra tal medida.

Ademais, pressupondo-se que a defesa não passe pela imposição de pena de morte, vedada pela Constituição, em todos os casos em que alguém é encarcerado, qualquer discussão minimamente racional acerca do tema pressupõe questionamento acerca de qual ser humano voltará ao convívio social. Neste sentido, o sistema socioeducativo é infinitamente mais capacitado a promover a ressocialização que o sistema carcerário, contando com acesso a escolarização e profissionalização na esmagadora maioria das unidades socioeducativas. Novamente, faltam pesquisas abrangentes, mas, no estado do Paraná, todos os adolescentes em cumprimento de medidas privativas de liberdade têm acesso à escolarização e a cursos de qualificação profissional, o que está longe de ser a realidade quando tratamos do sistema prisional, que, em novembro de 2017, atingia apenas 30,44% da população carcerária no que tange à educação.

Leia também: Adolescentes assassinos (editorial de 22 de março de 2014)

Leia também: Menoridade penal e sistema de Justiça criminal (artigo de Fábia Berlatto, publicado em 29 de abril de 2015)

Focamos aqui apenas no sistema socioeducativo e, em que pese a falta de pesquisas sobre o tema, os dados cientificamente comprovados apresentados indicam uma realidade muito diferente do imaginário construído em torno do mito da impunidade. No entanto, o ataque ao ECA pode afetar, também, o sistema protetivo, que atinge adolescente e crianças que são abandonados ou vítimas de negligência ou violência por sua família, e que só encontram no Estado a proteção contra atos aos quais não conseguem oferecer resistência. Ademais, nem sequer mencionamos o perfil de tais adolescentes e crianças, em sua grande maioria miseráveis, oriundos de famílias que nem sequer têm acesso à proteção social básica e que, não raro, encontram na polícia ou no Conselho Tutelar, pela primeira vez, a presença do Estado.

Deste modo, é de se exigir, no mínimo, pesquisa científica séria e imparcial a nortear tais discussões, seja sobre redução da maioridade penal, seja aumento do tempo de encarceramento, de modo a não cairmos em mistificações retóricas que não servem à construção de políticas públicas que afetarão a vida de milhões de brasileiros, seja pelo aspecto da segurança, seja pela ressocialização e oferta de oportunidades a adolescentes que, eventualmente, tenham cometido ato infracional.

Marcelo Diniz é defensor público do Paraná e coordenador do Núcleo Especializado da Infância e Juventude da Defensoria Pública do Paraná.
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