O impensável é uma variável constante na equação política brasileira. Não por acaso, o olhar invulgar de Machado de Assis bem pontuou que o “imprevisto é uma espécie de deus avulso” que, ao fim, pode ter “voto decisivo na assembleia dos acontecimentos”. A sabedoria machadiana, com a acuidade que lhe era peculiar, precisou de poucas linhas para dizer muito. Ensina que, no teatro da vida, algumas certezas são absolutamente relativas, pois a lógica dos fatos pode ter secretas orientações. No descortinar das circunstâncias, entre fatos, versões e verdades, a mentira parece ser a tônica de nossa combalida República. Mas vá lá, então; que venha o benfazejo imprevisto, trazendo consigo, para além da esperança divina, os votos decisivos para tão esperados dias melhores.
Sim, definitivamente, o ano promete. Em outubro, temos encontro marcado com as urnas para a eleição do presidente, governadores, senadores e deputados. Nossas escolhas políticas repercutirão no futuro do Brasil; se escolhermos bem, será possível salvar o que ficou do Plano Real, atacando a sangria do gasto público desmedido, o fervor corporativista (estatal e privado) sobre os escassos recursos do povo, privatizando elefantes brancos e seus infindáveis cabides de emprego, acabando com a imoralidade de emendas parlamentares e fundos públicos partidários/eleitorais, fazendo a reforma administrativa e racionalizando o manicômio tributário para, entre outras medidas urgentes, retomarmos a capacidade de investimento estrutural que possibilite às pessoas o direito de efetivamente serem felizes e exercerem seus talentos individuais em favor de uma nação aberta ao progresso, ao desenvolvimento econômico e à livre iniciativa séria, trabalhadora e consciente de seu papel transformador.
Agora, se votarmos mal, os danos políticos serão irreversíveis. Não podemos mais negar a urgência do momento. A gravidade da hora exige responsabilidade e compromisso cívico com o bem do Brasil. A diretriz é uma só: sem decência política é impossível tirar o povo do sofrimento, da fome e da pobreza coletiva. Aliás, não existe democracia digna com governos indecentes.
Infelizmente, os riscos de retrocesso são elevados; estão aí aos olhos de todos. A recente lição da história é categórica: o populismo irrefreado é a semente da desorganização institucional, da ilicitude desbragada e da implosão das contas públicas nacionais. Objetivamente, enquanto a ciranda da dívida roda, os espertos fazem a festa, posam de bacanas, empinam champanhe, compram lanchas, casas à beira-lago, vivendo plenamente – entre discursos sociais e migalhas assistencialistas à massa – as fugazes alucinações do poder. Acontece que a cocaína do gasto público tem efeito limitado; passado o barato, a ressaca se apresenta com contratos dúbios, faturas impagáveis, parasitas por todo lado num corpo político moribundo, fulminado pela indignidade sistêmica. Na cena derradeira, com gritos contra o capitalismo liberal, um povo enganado afoga-se no endividamento familiar, no desemprego e na torrente inflacionária.
Ora, não precisamos reviver tais cenas lamentáveis. O passado, em sua pedagogia eloquente, deve ensinar a fazer do presente um futuro melhor. Logo, aquilo que foi já era. Não precisámos cultivar mágoas nem revanchismo com o que passou, mas é fundamental termos a capacidade de trilharmos novos e melhores caminhos. Em tempo, antes de lateralizarmos entre esquerda e direita, o Brasil precisa andar para a frente. As oportunidades estão postas diante de nós. Sem cortinas, a tecnologia, a computação quântica e a inteligência artificial estão a remodelar profundamente as lógicas do poder global, seus players econômicos hegemônicos e as estruturas decisórias da geopolítica mundial. O jogo está sendo jogado, abrindo um leque de possibilidades positivas àqueles que compreendem a complexidade atual, movendo-se com tato e perícia neste intrincado tabuleiro dinâmico.
O Brasil, no entanto, está completamente alijado dos jogos da primeira divisão mundial. E não joga porque não consegue formar um time minimamente capaz de fazer o enfrentamento. Assim, embora com inúmeros talentos e promessas de base, contentamo-nos em jogar campeonatos de várzea, cujo prêmio é um latão de cerveja na quitanda da esquina. Convenhamos, merecemos mais. O problema é que nossa classe política – com exceções cada vez mais raras – quer que o sistema permaneça exatamente como está, pois os cartolas amadores – que, no quesito jogatina, são profissionais – jamais ganharam tanto dinheiro. Aliás, só a título de fundo público eleitoral estão a ganhar a bagatela de R$ 5 bilhões e, se duvidar, ainda vão levar mais um troco. Enfim, um país de miseráveis com uma política bilionária. Triste, mas real.
A culpa é da política, mas não só dela. O fato é que temos uma elite brasileira omissa e pouco atuante nas justas causas da democracia institucional. Precisamos, assim, de mais energia cívica genuína; precisamos de maior participação efetiva dos mais capazes; precisamos assumir a definitiva responsabilidade pelo bem do Brasil; precisamos, decididamente, falar e não apenas calar. Ou seja, não basta apenas votar, pois a democracia autêntica requer compromisso diário com os importantes assuntos da vida pública nacional. Por tudo, se não assumirmos com firmeza nossa intransferível responsabilidade cívica pelo bem do Brasil, o ontem poderá voltar amanhã, pois o vazio do hoje é profundo e não menos revelador.
Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado e conselheiro do Instituto Millenium.
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