É fundamento básico numa economia de mercado a baixa interferência estatal na regulação das relações comerciais, criando apenas as condições mínimas para o funcionamento dos mercados de maneira produtiva. Diante da situação econômica delicada dos últimos anos, o governo federal instituiu o Plano de Proteção ao Emprego (PPE) para tentar evitar demissões na indústria.
Viabilizado pela MP 680/15, ele foi inspirado no modelo alemão do Kurzarbeit (“trabalho curto”), difundido principalmente na última crise global de 2008. Do ponto de vista técnico, o PPE brasileiro não é tão diferente do alemão, com um único porém: a situação do Brasil é muito diferente da Alemanha, em especial em dois pontos: primeiramente, a situação econômica e política da Alemanha é quase diametralmente oposta à do Brasil; a segunda é que a relação do empregado alemão com o sindicalismo e sua adesão à ideia da “cogestão” – ou seja, os empregados são responsáveis coletivamente pela gestão da empresa – são também quase que opostas às nossas.
Importamos um superesportivo alemão e o trocamos por um motor de Fusca brasileiro
A diferença conceitual entre empregado e empregador é que lá o sindicato se concentra pelos Conselhos de Estabelecimento (Betriebsräte), responsáveis por promover a interlocução entre a empresa e o empregado no sentido de proporcionar melhores cenários para a produção da empresa – e não necessariamente para o empregado. Aqui, a falta de transparência governamental, dados os recentes rombos fiscais e econômicos, mostra que temos uma tradição do imediatismo e de resolver os problemas maquiando-os. As diferenças entre os países são, portanto, indiscutíveis.
O que é discutível é a forma como o governo brasileiro trata a relação entre mercado e economia e a regulação de ambos por meio de intervenções estatais, utilizando o PPE como forma de assegurar um resultado praticamente impossível na manutenção da ideologia social governista. Emprestar um programa que funcionou num país tão diferente do nosso num momento de crise e, ainda, sem perspectiva alguma de melhora é no mínimo inconsistente. Não ajuda nem as empresas a se recuperarem, porque do outro lado da mesa o governo não fornece incentivos para que essas empresas melhorem no curto e médio prazo; tampouco melhora a situação dos empregados ao forçá-los à redução de salários.
Funciona bem para a imagem do governo na tentativa de mostrar serviço em tempo de crise. Mas tudo isso, claro, se a classe desses empregados não for forte o suficiente para bater o pé e não assinar o acordo coletivo, o que parece ter sido tendência nas empresas que tentaram emplacar no PPE.
A baixa adesão das empresas ao PPE se deve aos requisitos burocráticos exigidos pelo programa, adicionado ao fato de que o acordo coletivo pode ser barrado pelos sindicatos. Para eles, a adesão ao programa pode ser vista como uma forma de prejudicar os trabalhadores, uma vez que estes perderiam parte de seu salário. Somente os fortes sindicatos conseguirão fazer aprovar este tipo de acordo coletivo.
Juridicamente falando, abre espaço para que seja contestada na Justiça, uma vez que, mesmo com a aprovação do acordo coletivo e a adesão ao programa, os trabalhadores podem questionar judicialmente as reduções da jornada e, em especial, a do salário; ainda, o PPE criou uma nova estabilidade de emprego, já que garante a não demissão dos trabalhadores pelo tempo de adesão ao programa acrescido de 1/3; sendo assim, não garante em nenhum momento que os empregos serão mantidos após o fim do período de adesão, o que coloca os empregados numa situação desprivilegiada. Por último, a tentativa inócua do governo de maquiar os índices de eventual desemprego quando ele mesmo não promove as condições para que a indústria funcione corretamente.
Em resumo, importamos um superesportivo alemão e o trocamos por um motor de Fusca brasileiro. Mais um 7 a 1 para a nossa conta.
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