Atualmente, 14,5 milhões de famílias brasileiras são assombradas pela fome. O número de famílias na miséria registrado em abril de 2021 é o maior da série histórica do Ministério da Cidadania, iniciada em agosto de 2012. Hoje, 58 milhões de brasileiros correm o risco de deixar de comer por não terem dinheiro. Isso significa que 27,7% da população vive uma situação de insegurança alimentar grave ou moderada, de acordo com um estudo feito pelo grupo Food For Justice. Esse assunto ganhou destaque no 1.º Fórum da Cadeia Nacional de Abastecimento, organizado pela Associação Brasileira dos Supermercados (Abras), com o objetivo de discutir ações de governança corporativa, social e ambiental. Nesse contexto, a questão da fome foi destaque com foco na redução do desperdício de alimentos. Para isso, tratou-se da criação de bancos de alimentos e da prática best before, revendo a legislação da validade dos produtos alimentícios.
O prazo de validade começa a contar a partir do momento em que o alimento é preparado ou fabricado – e deve ser informado no rótulo dos produtos embalados. Esse prazo de validade corresponde ao período estudado pelo fabricante em que o alimento, sob as condições ideais de armazenamento, é viável para o consumo, ou seja, não apresenta alterações nutricionais nem favorece o desenvolvimento de microrganismos, não havendo risco de doenças. Apesar de o prazo de validade ser um indicativo importante para verificar a qualidade do alimento, alguns produtos alimentícios (geralmente os não perecíveis) poderiam ser consumidos mesmo fora do prazo, isso devido ao fato de suas condições de armazenamento não serem tão exigentes e por tolerarem grandes variações de temperatura, desde que não existam alterações na sua cor, cheiro, textura ou sabor. É importante salientar, também, que as suas embalagens estejam seladas e armazenadas de acordo com as indicações dadas pelo fabricante.
No Brasil, o modelo empregado para garantir a qualidade dos alimentos é o da data de validade. Assim, é estudado um período para cada produto (por meio de diversos parâmetros) e desaconselha-se o consumo depois desse prazo. No entanto, existe outro modelo, denominado best before (“consumir preferencialmente antes de”). Nele, o produto pode perder frescor ou nutrientes após certa data, mas ainda pode ser seguro para uso.
Outra pauta discutida foi a das sobras de comida em restaurantes. O ministro da Economia, Paulo Guedes, relatou, durante o fórum, que “todos os alimentos que não são consumidos durante o dia no restaurante poderiam alimentar pessoas fragilizadas, mendigos, pessoas desamparadas. É muito melhor do que deixar estragar”. Antes da pandemia, essa prática era proibida em função da responsabilidade que seria atribuída à instituição que fez a doação sobre a qualidade higiênico-sanitária dos alimentos. Porém, uma lei sancionada no ano passado permite que empresas e instituições doem a comida que sobra, mas não a que vence. Dessa forma, tudo o que passa do prazo de validade no país precisa ser jogado fora, aumentando, assim, o desperdício.
O governo federal está criando um grupo de trabalho para avaliar a flexibilização da regra que trata da validade de alimentos no Brasil, e que será responsável por discutir a hipótese de permitir vendas de baixo custo e doações de alimentos que não estiverem mais dentro do prazo de consumo indicado pelo fabricante. Essas ações, sendo bem fiscalizadas e monitoradas, visam à redução do desperdício de alimentos no Brasil, um problema de cunho social que coloca o nosso país no ranking dos que mais desperdiçam alimentos no mundo. Deste modo, se a regra for aprovada, surge uma possibilidade viável de reduzir o desperdício e diminuir a fome de quem está em vulnerabilidade social.
Mariana Etchepare, doutora em Ciência e Tecnologia de Alimentos, é professora do curso de Nutrição da Universidade Positivo.
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