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| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

A ciência política às vezes usa alguns termos técnicos que afastam a compreensão do cidadão comum. Um destes termos – de grande importância – é “magnitude do distrito eleitoral”. Um termo complexo para algo que pode ser dito de forma simples. Para eleições legislativas, é a quantidade de eleitos naquela região geográfica. Pela regra brasileira atual, no caso de deputados estaduais e federais, o distrito eleitoral é todo o estado. No caso de vereadores, todo o município. Outras regras eleitorais, como nos Estados Unidos, dividem o estado em vários distritos menores.

Quantos deputados a população de um distrito eleitoral elege tem implicações diretas sobre como esta população irá fiscalizar seus representantes, cobrar deles suas demandas, puni-los ou recompensá-los (com a reeleição) adequadamente.

Atualmente, a magnitude dos distritos eleitorais no Brasil é uma das maiores do mundo. Por exemplo, São Paulo tem 70 deputados federais; o Rio de Janeiro tem 46; Minas Gerais, 53; Bahia, 39; o Paraná, 30 deputados federais. A média nacional é de 19 deputados federais por estado.

Ainda que o eleitor vote em apenas um destes deputados, goste, siga e se sinta representado por apenas um deles, pela lei, todos os deputados de um estado são os representantes do povo de seu estado. Você consegue cobrar 19, 30, 46, 70 deputados de seu estado? Você consegue pelo menos lembrar o nome desses deputados?

Isto acaba por afastar a população da elite política, colocando mais combustível na chamada “crise de representação”, isto é, a insatisfação do eleitor com os modos como a política tem sido conduzida. Esta insatisfação passa pela percepção que o eleitor tem de seus representantes. Esta percepção é afetada quando o eleitor não consegue identificar com clareza seus representantes.

Você consegue cobrar 19, 30, 46, 70 deputados de seu estado?

Uma maneira alternativa de eleger os representantes legislativos é o voto distrital, adotado nos Estados Unidos e no Reino Unido, entre outros países. Lá, para fins eleitorais, os estados são divididos em distritos menores. Cada distrito elege apenas um representante, em uma eleição majoritária – como se fosse para prefeito ou governador, por exemplo.

Como tudo na vida, há aspectos positivos e negativos no voto distrital. O voto distrital aproxima o eleitor do representante, aumenta a accountability, isto é, a capacidade do eleitor de fiscalizar e punir seus representantes. Mas, por outro lado, os deputados eleitos por esse sistema tendem a ter comportamento mais paroquialista no Parlamento. Não se preocupam com os chamados “grandes temas nacionais”, mas apenas com questões específicas de sua região. Outro ponto é que esse sistema – como já vimos acontecer, por exemplo, nas eleições para presidente no Brasil – tende a levar os candidatos para o centro político, em termos ideológicos. Representações de minorias ou de setores específicos, em tese, teriam maior dificuldade de serem eleitas. A possibilidade de voto distrital no Brasil esbarra em um problema adicional e importante. O nosso passado político foi marcado pelo coronelismo, prática que ainda resiste em algumas regiões. O voto distrital poderia ser um incentivo a essa cultura.

Se o voto distrital é uma incógnita não testada no Brasil e o modelo atual apresenta muitos problemas, há uma alternativa, uma solução intermediária. John Carey, um renomado cientista político americano, pesquisador sobre política na América Latina, sugere, em artigo científico publicado recentemente, que o Brasil deveria repartir seus distritos eleitorais (atualmente, os estados) em regiões menores que elegeriam entre quatro e oito representantes por distrito. Segundo a argumentação de Carey, este seria o ponto ideal que possibilitaria aos eleitores acompanharem as ações de seus deputados, podendo responsabilizá-los por seu comportamento, sem contudo perder em termos de diversidade de representação, como poderia acontecer em um modelo distrital puro.

A proposta é uma solução plausível, que não implicaria em mudanças drásticas no sistema proporcional atual, mas ao mesmo tempo aumentaria radicalmente o poder que o eleitor tem sobre seus deputados.

Seja qual for seu modelo preferido, já é chegada a hora de a sociedade brasileira, em especial os formadores de opinião, jornalistas, sociedade civil e corpo político, discutir esse assunto, colocando-o sob os holofotes. Este talvez seja um dos mais graves problemas do atual sistema político-eleitoral brasileiro, e também sobre o qual menos se fala. É preciso que ele se torne um elemento central de qualquer proposta de reforma política, sob pena de, caso contrário, essa reforma ser incipiente.

Márcio Carlomagno, cientista político, é mestre e doutorando pela Universidade Federal do Paraná.
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