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Opinião do dia 2

Preço do álcool e oligopólios

Os meios especializados conferiram enorme importância ao fato de o recente acordo selado entre governo e usineiros, reduzindo o preço do álcool anidro de R$ 1,08 para 1,05 o litro para os distribuidores, não ter atingido as bombas dos postos de revenda de combustíveis, como ter sido seguido pela elevação dos preços do produto ao consumidor em todo o país. Evidentemente, trata-se de assunto bastante complexo, envolvendo tanto interesses conflitantes, ao longo de uma abrangente cadeia produtiva, quanto os propósitos macroeconômicos de preservação da estabilidade inflacionária, especialmente no transcorrer do ciclo eleitoral.

Convém ter presente que é bastante comum a constatação de oscilações, sobretudo a subida, do preço do álcool na época do ano conhecida como entressafra. Contudo, a compreensão e a solução adequada do problema requer o entendimento prévio de um conjunto de fatores explicativos da extraordinária escalada de preços, acontecida no segundo semestre de 2005 e no começo de 2006, superior a 30,0%, e da sua resistência à baixa no varejo.

Frise-se que a trajetória ascendente dos preços do álcool provocou o rompimento da faixa de vantagem econômica para o emprego deste combustível frente à gasolina, entre 60,0% e 70,0% do valor de comercialização da gasolina, conforme o tipo de veículo e motor. De acordo com levantamentos realizados pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, da Universidade de São Paulo, em apenas oito estados brasileiros o consumidor estaria economizando ao abastecer veículos com álcool. São eles: Alagoas, Bahia, Goiás, Mato Grosso, Pernambuco, Rio Grande do Norte, São Paulo e Tocantins.

Na verdade, a marcha de ascensão de preços pode ser imputada à combinação de elementos de oferta e demanda. O primeiro deles compreende a estagnação da produção de cana-de-açúcar, por conta do envelhecimento de parcela dos canaviais e da estiagem que assolou as lavouras do Centro-Sul e afetou o rendimento físico da cultura.

O segundo vetor altista equivale ao aquecimento da demanda e dos preços do açúcar nos mercados internacionais, reforçada com a vitória brasileira junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) contra os subsídios concedidos pela União Européia, o que provocou o descolamento de parte da matéria-prima para a fabricação de açúcar em detrimento da de álcool.

O terceiro ponto abarca a impulsão da produção e a disseminação da utilização de veículos com motores movidos tanto a álcool quanto a gasolina, conhecidos como flex, que respondiam, em dezembro de 2005, por 75,0% da oferta e 10,0% da frota. O quarto aspecto retrata a ampliação do emprego de álcool anidro na composição da gasolina de 20,0% para 25,0%. A quinta razão refere-se ao combate à adulteração, viabilizado pela determinação de adição de corante laranja ao anidro (isento de ICMS), por parte da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Por fim, a sexta alavanca exprime o componente estacional configurado na entressafra que, somada ao efeito demanda mundial, justifica os aumentos dos preços do açúcar no mercado doméstico.

Nessas circunstâncias, a indagação que emerge diz respeito à pertinência do pacto firmado entre o executivo federal e os produtores de álcool. À primeira vista, a iniciativa soa desprovida de consistência técnica, ao tentar ressuscitar mecanismos de controle de preços em um sistema que praticamente libertou-se desse tipo de amarra desde 1994, com lançamento do real e o desmonte de parte expressiva dos instrumentos de indexação.

A mensagem transmitida pelo acordo contempla a busca de estabelecimento de um preço-piso, que o próprio mercado formaria em fins do primeiro semestre, por ocasião da entrada da safra do corrente ano. Tanto é assim, que o acerto prevê iniciativas de antecipação de oferta da produção do ano agrícola 2006–2007 pelos produtores.

Nessa perspectiva, o acordo revela-se absolutamente inócuo. Se os preços fixados forem inferiores aos níveis de rentabilidade exigidos pelos produtores, ou o próprio sistema efetuará o ajuste, por intermédio do descumprimento das regras estipuladas, ou ocorrerá uma retração das decisões de investimentos comprometendo estruturalmente a oferta potencial do produto.

Por certo, a resposta pontual para a falta de sincronia entre a curva dos preços nas usinas e nas bombas pode ser encontrada no fluxo de produtos contratados no período imediatamente anterior à vigência do acordo. Porém, o fator determinante do não repasse da redução dos preços nas usinas pode ser representado na estrutura de mercado oligopolizada do segmento de distribuição, dominado por um reduzido número de grandes empresas estrangeiras e nacionais, que perseguem o aumento, ou ao menos a manutenção, de suas margens, independentemente das condições de mercado.

Gilmar Mendes Lourenço é economista, coordenador do Curso de Ciências Econômicas da UniFAE – Centro Universitário – FAE Business School.

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