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Preferência pela ilusão

Quando comunicou ao povo que a Inglaterra entraria em guerra com a Alemanha, Churchill fez um discurso no qual pediu "sangue, suor e lágrimas" para conseguirem a vitória. Se ele estivesse hoje no Brasil, em vez de "sangue, suor e lágrimas" diria "já estamos ganhando a guerra". Essa foi a impressão que senti ao ouvir as autoridades do governo federal comentando os resultados do Índice de Desenvolvimento Humano, que indica a posição de nossa sociedade no cenário mundial.

Apesar de sermos a 6.ª ou 7.ª economia mundial, ocupamos a 88.ª posição no cenário mundial em termos de desenvolvimento humano. Estamos atrás de países muito mais pobres, tais como Bahamas, Montenegro, Arábia Saudita, Panamá, Sérvia, República Dominicana, Líbano e Omã. O IDH é calculado com base em três itens: renda, saúde e educação. O que realmente rebaixa nossa posição ruim é a vergonhosa situação de nossa educação.

Em vez de a presidente Dilma Rousseff ir à televisão reconhecer a situação e fazer um forte apelo a todos os brasileiros para superar esta situação, preferiu falar que havia um erro do Pnud: no lugar de 7,4 anos de escolaridade, o Brasil tem 7,2 anos – esquecendo que os cálculos feitos consideraram 2005 para todos os países, e que, mesmo que estivéssemos com os 7,4, a situação continuaria a ser vergonhosa e trágica. Além disso, se o IDH considerasse a qualidade de nossa educação, e como ela se distribui por classe social, nossa posição certamente pioraria. Além de uma baixa média, a parcela rica tem 13 anos de escolaridade; logo, os pobres devem ter três ou quatro anos.

Esse sentimento de "já estamos ganhando", em vez de "sangue, suor e lágrimas", decorre da visão de aparências, com desprezo à realidade e ao longo prazo.

O Brasil não terá futuro enquanto não tiver um governo que seja capaz de perceber a dimensão da tragédia, olhar ambiciosamente para o futuro e se propor a ter uma boa educação para todos, mobilizar toda a população, governadores, prefeitos, pais, empresários, artistas, enfim, todos os políticos para enfrentar o problema, como se enfrentássemos uma guerra, com "sangue, suor e lágrimas".

Não há razão para o governo querer esconder a realidade. A culpa é histórica e a situação é muito mais grave. Nosso Índice de Desenvolvimento Humano seria muito pior se em seu cálculo fossem considerados outros problemas, tais como a morte por violência, o tempo perdido em engarrafamentos, a qualidade do transporte urbano, o grau de concentração de renda – um dos maiores do mundo –, a degradação urbana, a poluição, a carência de moradia, a concentração da terra e a triste violência contra a mulher e nossas crianças.

O IDH é uma das maiores conquistas intelectuais do século 20, ao trazer para o debate a ideia de que a riqueza medida pelo PIB não representa o nível de bem-estar da sociedade. Seu grande mérito, porém, é fazer com que os dirigentes de todo o mundo esperem com ansiedade sua divulgação para saber como evoluiu o quadro social de seus países. Mas essa imensa conquista fica perdida se, em vez de perceber a realidade e lutar para superá-la, os dirigentes preferirem desqualificar os cálculos e dar explicações para os fracassos.

Na Grande Guerra, foi a Alemanha que usou sua máquina publicitária para passar a ideia de que tudo ia bem no front e os críticos eram pessimistas, antipatrióticos e derrotistas. E todos sabem quem perdeu a guerra.

Cristovam Buarque, professor da UnB, é senador pelo PDT-DF.

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