Há quase quatro anos, o Brasil instituiu as apostas esportivas de quota fixa como um serviço público. Na época, comemorou-se a preocupação do legislador em contemplar uma atividade que já se mostrava relevante mundo afora, com um volume grande de operações, receitas e, por conseguinte, arrecadação pelos governos.
A caracterização das apostas esportivas como serviço público causou alguma estranheza, é bem verdade, mas ao fazê-lo, a Lei 13.756/18 reafirmou a relevância dessa atividade. Esperava-se, assim, que o prazo de dois anos para a regulamentação da autorização a ser concedida pelo Ministério da Economia fosse uma prioridade. Afinal, não apenas é um serviço público – e, portanto, de especial interesse –, mas se esperava abertamente o benefício advindo da arrecadação tributária.
Contudo, inexplicavelmente, não apenas o prazo original já se esgotou, mas também a prorrogação prevista em lei se avizinha do seu término. Não se sabe por qual razão já se passaram quase quatro anos sem que a regulamentação fosse finalmente feita. E não foi por falta de iniciativas. Nesse período, cogitou-se da estruturação de concessões, com a inclusão do serviço no rol de projetos prioritários do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), cabendo ao BNDES a estruturação dos contratos. Agora, a última informação que se tem é a da predileção do governo pelo modelo de autorização, tal qual referido em lei.
A inércia governamental, até aqui, tem provocado uma dupla perda para o país, sobrelevada em tempos de escassez de recursos e de crise econômica. A regulamentação traz consigo a cobrança de tributos e, por outro lado, ainda permite à União auferir valores de outorga pelas empresas autorizadas. No primeiro caso, estima-se uma arrecadação de mais de R$ 6 bilhões/ano. No segundo, a depender do modelo de autorização adotado, a outorga por autorização pode alcançar quantias significativas.
Esse prejuízo vem sendo constantemente apontado, assim como os riscos ao mercado e à sociedade pela ausência de regulamentação, mas, ainda assim, não foi suficiente para qualquer atitude por parte do governo. Com a proximidade do término do prazo legal para regulamentação, problemas de outra ordem se apresentam.
O transcurso do período de regulamentação sem que essa seja realizada enseja um ambiente de insegurança jurídica para o governo, para as empresas do setor e para os usuários, além, é óbvio, da perenização da perda de receita. De início, há a indefinição sobre a possibilidade de as empresas passarem a ofertar os serviços mesmo sem uma regulamentação formal. Afinal, não se está falando de prestação ilegal, porquanto já há autorização em lei para as apostas esportivas de quotas fixas.
Contudo, é inequívoco que as empresas que se dispuserem a prestar os serviços poderão ser questionadas pela ausência de regras formais para a realização das apostas. Nesse contexto, não se descarta o risco de medidas repressoras e sanções, em processos administrativos e judiciais. Por outro lado, é possível cogitar de uma postura mais proativa das empresas, que podem sanear em juízo a ausência de autorização. Especialmente por meio de mandados de injunção ou mesmo em mandado de segurança, caso requerimentos administrativos para autorização sejam denegados pelo Ministério da Economia.
Em qualquer situação, os custos de transação serão altos, seja pela insegurança jurídica, seja pelos esforços empreendidos administrativa e judicialmente. Ao invés de aproveitar os benefícios que a regulamentação traz consigo, a União acabaria arcando com os prejuízos da sua própria inércia.
Donde se vê que, sob quaisquer ângulos, abdicar da regulamentação coloca o país fora de um mercado global, no qual o movimento é, justamente, no sentido contrário. Não apenas na Europa e nos EUA (onde a discussão da regulamentação é cada vez mais vívida), mas também na América Latina, em países como México e Colômbia, além da cidade e província de Buenos Aires, já há regras formais e claras para a realização das apostas esportivas. A negativa injustificada em regulamentar algo já previsto em lei relega o Brasil a uma condição desvantajosa, impedindo que se usufrua dos recursos arrecadados e, tanto pior, alimentando um mercado informal, com todos os prejuízos a ele acessórios.
Ainda há tempo de evitar esse cenário (mais) desastroso. Sabe-se que a regulamentação já foi suficientemente discutida no âmbito do Ministério da Economia, o que permite sua efetivação mesmo nos poucos meses restantes até o término do prazo legal. A edição do decreto é o último ato faltante e nada obsta que seja finalmente colocado em prática.
Caio de Souza Loureiro é mestre (PUC/SP) em Direito do Estado pela PUC-SP; Claudio Coelho de Souza Timm é mestre em Direito do Mercado de Capitais e Regulação Financeira pela Georgetown University (EUA); Jun Makuta é especializado em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Os três são sócio de TozziniFreire Advogados.